Foi relatado que essa comunidade luso-descendente – os bayingyi – se tinha associado a movimentos de protesto contra o regime da junta militar. É assim que nos últimos meses se sucedem ataques militares a esta comunidade.
Os bayingys são alguns milhares distribuídos por 13 aldeias. Fontes da comunidade bayingyi relatam-nos que houve um primeiro ataque em vésperas do último Natal.
Foi a 21 de dezembro.
A aldeia de Chaung Yoe foi assaltada neste dia por um pelotão de soldados, que saqueou as habitações sem qualquer resistência dos bayingyis, que optaram por fugir. Seguiram-se mais três ataques.
O primeiro a 25 de Fevereiro, então com os militares a disparar artilharia pesada sobre aquela aldeia principal da comunidade, onde residiam umas 250 famílias. Ficou tudo em escombros, os habitantes puseram-se em fuga à aproximação dos militares.
A 28 de Março, relatam-nos fontes credíveis da comunidade, novo ataque, agora por elementos à civil, fortemente armados, que tiveram como alvo o complexo da Igreja, disparando sobre a casa do clero e aprisionando 3 religiosos. No mesmo dia foram assassinados, a tiro, um dos habitantes e o filho, que tentavam fugir pelos arrozais. O grupo atacante incendiou 17 casas, a capela e o santuário da aldeia.
Há duas semanas, a 20 de Maio, aconteceu o ataque mais brutal: os soldados voltaram a Chaung Yoe, munidos de artilharia. Ao todo, mais de 300 casas foram destruídas pelos canhões.
Neste momento, apenas 20 casas permaneceram intactas em toda a aldeia. Há relato de outros assaltos a outras aldeias.
As perseguições não param. A catedral católica de Mandalay onde o arcebispo tem acolhido os perseguidos, foi assaltada e ocupada por tropas da Junta nos dias da Páscoa.
Os católicos são uma minoria, cerca de 1,5% da população de Myanmar que tem 8% de cristãos.
A comunidade luso-descendente, os bayingyi, é formada por descendentes de combatentes portugueses que, entre os séculos XVI e XVII estiveram ao serviço de monarcas birmaneses como artilheiros e soldados nos seus exércitos. Dispensada a participação militar deles no exército real, a comunidade dos Bayingyi viria a ficar concentrada numa área geográfica específica da Birmânia, no vale do Rio Mu, onde lhe foi concedido manter a fé católica e viver de acordo com as suas tradições. Até há 6 meses, quando o cerco começou a apertar-se e a tornar-se brutal.
Vale enquadrar o drama das últimas décadas nesta antiga Birmânia.
Myanmar é desde 1989 o nome oficial da antiga Birmânia, Um dos países do sudeste asiático – com mais fértil beleza natural.
É a terra de uns 50 milhões de pessoas, de dezenas de etnias, quase todas com vida muito pobre – sustentada maioritariamente pela agricultura.
Desde há 60 anos, precisamente desde 1962, Myanmar tem estado recorrentemente sob ferozes ditaduras de juntas militares que reprimem brutalmente toda e qualquer oposição, designadamente o que não for budista.
Esse primeiro golpe de estado militar, em 2 de março de 62, marca o início da tormenta quase permanente.
A resistência à ditadura tem um símbolo, célebre, Aung San Suu Kyi – filha do general que tinha encabeçado a luta contra o colonizador britânico.
Em 88, pôs-se ela na corajosa liderança dos movimentos pela democracia. Mas em setembro desse 88, a junta militar voltou a endurecer o regime, fez prender Aung San Suu Kyi metida na cadeia com uma condenação por 15 anos.
O Comité Nobel, em Oslo, reconheceu a valentia da luta dela e atribuiu-lhe em 91 o Nobel da Paz, que ela não pôde receber.
Ao ser libertada, em 2010, Aung San Suu Kyi era uma personagem incontornável na cena política no país rebatizado como Myanmar.
Foi eleita deputada em 2012 e em 2015 o partido dela triunfou nas eleições gerais – formou governo mas obrigatoriamente em partilha com o poder militar. Ela expos-se a criticas internacionais por não se levantar contra a perseguição à comunidade rohingya forçada ao êxodo.
Myanmar parecia em via de alguma democratização.
Há dois anos, novas eleições e o partido de Aung San Suu Kyi triunfa com 82% dos votos.
Os militares sentem-se humilhados, vingaram-se: em 1 de fevereiro do ano passado tomaram o poder, desencadeando desde então repressão brutal, com execuções e prisões.
Aung San Suu Kyi, vencedora das eleições, voltou a ser presa. Os militares arranjam sempre um pretexto, desta vez acusam-na de corrupção.
Há milhões de pessoas que vivem em Myanmar sob o medo da perseguição dos militares instalados no poder, com raiva pelas atrocidades de que são vítimas, mas com esperança de um dia recuperarem a liberdade.
Subsistem feridas sérias, como a também dramática situação de mais de um milhão de rohingyas amontoados em campos de refugiados em países vizinhos, como o Bangladesh e a Tailândia, e submetidos a alta tensão.
A ONU, designadamente através da Alta Comissária para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, exige ações urgentes para que acabe a violência e para que o rumo democrático possa ser retomado.
Mas as perseguições continuam e agora também visam essa comunidade bayingyi com alguns milhares de lusodescendentes. Encontram refúgio na valente comunidad católica de Mandalay.
O governo português está a acompanhar este drama – com o reconhecimento assumido pela diplomacia de Lisboa de que Myanmar é um problema internacional que tem de estar na ordem do dia.
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