Há dois missionários portugueses, João Felgueiras e José Alves Martins, padres jesuítas, que são figuras lendárias da resistência em Timor Leste.
São heróis de Timor, reconhecidos com condecorações de Portugal (presidente Jorge Sampaio) e de Timor (presidente Taur Matan Ruak) e medalhados pelo Papa Francisco.
Eles ajudaram, corajosamente, o povo de Timor, ajudaram os guerrilheiros durante os 24 anos da invasão indonésia e, depois do referendo de 99, ajudaram a que o novo país crescesse em liberdade.
Lutaram para que o confronto entre tantas e tão aguerridas fações ficasse pelo debate democrático, bateram-se pela promoção do respeito por todos, pela dignidade de todos.
Timor vai a votos no final desta semana – na primeira volta da escolha de um Presidente da República entre 16 candidatos e grande rivalidade entre o candidato José Ramos Horta, do CNRT, apoiado por Xanana Gusmão e Francisco Guterres, Lu-olo, apoiado pela Fretilin de Mari Alkatiri. As eleições são neste próximo fim de semana.
Há exatamente uma semana, a partir da cama do hospital em Vila Franca de Xira, junto a Lisboa, onde estava internado, por causa das complicações (agravadas pela covid) de uma queda desamparada de um homem com 80 anos e saúde frágil, o missionário José Alves Martins escrevia o ceticismo de alguém que conhece todas as entranhas da vida de Timor há 47 anos.
Escreveu, em 5 de março: ”o que me leva a um grande ceticismo é a falta de formas novas de ver a realidade política na nação livre e independente com aproximadamente milhão e meio de habitantes. Novas formas de ver tendo em conta a sempre o bem do povo. Portanto, saúde, educação, serviços sociais, infraestruturas humanas”.
O padre José Martins não hesitou a escrever – como em mensagem para os candidatos que a celebração em 20 de maio dos 20 anos da independência é marcada por um falhanço maior: “a lacuna na concretização de politica certa passou pela falta de pessoal devidamente formado. Faltaram e ainda faltam infraestruturas humanas devidamente bem formadas."
Neste escrito do padre José Alves Martins, ele junta a dor pelo martírio da Ucrânia e a angústia pelo futuro de Timor.
O valente missionário José Alves Martins, obreiro da rádio da resistência que puxou a esperança a partir das montanhas de Timor (ele escondia o emissor), ele que era ponte de informação da terra ocupada para o exterior, já não vai saber mais da evolução daquele sofrimento na Ucrânia, nem o resultado das eleições na terra amada de Timor.
O coração parou ao começo da semana.
Vai para 30 anos - depois do terrível massacre no cemitério de Santa Cruz - perguntaram a este grande missionário porque é que continuava em Timor.
Ele respondeu: “Seria um cobarde se abandonasse o povo entregue a si mesmo." E o povo reconheceu-lhe sempre a simplicidade e a hospitalidade com que acolhia todos no Seminário.
Um desses discípulos, António Conceição, agora presidente do Partido Democrático escreve que com ele, (o padre José Martins) aprendeu “o valor de ser verdadeiro – e o de amar os nossos irmãos timorenses”.
A campanha eleitoral está intensa. O exemplo do agora desaparecido padre José Martins, como o do bispo dom Basilio do Nascimento, falecido há 6 meses, será certamente um valor a ter em conta nestes últimos dias de campanha com comícios, sobretudo os dos 3 ou 4 principais candidatos, muito participados.
Parece inevitável que haja uma 2ª volta – um mês depois em 20 de abril entre os 2 mais votados.
Para a geração que vem da guerrilha, a escolha principal será certamente entre CNRT, portanto Ramos Horta – com Xanana que poderá vir a ser primeiro ministro - e, do outro lado, a Fretilin de Alkatiri – com a candidatura do atual presidente Fancisco Guterres, Lu Olo, todos com robustos aparelhos partidários e muito espetáculo.
Há que contar também com um ex-comandante militar Lere. A incógnita é o voto da geração da independência.