Sama é a filha de Waad, a jovem síria que em 2012 foi para Aleppo com a intenção de estudar economia na universidade.
Waad vivia numa aldeia também no norte da Síria e já tinha ido várias vezes à grande cidade da região, Aleppo que tinha quase 5 milhões de habitantes.
No início daquele 2012, Waad tinha participado numa manifestação em Aleppo em que foi exaltado o que então parecia ser uma revolução democrática batizada de Primavera Árabe.
Waad desfilou nesse março de 2012, com muitos outros cidadãos de Aleppo a gritar com energia e felicidade pela liberdade e pela democracia. Uma das palavras de ordem era MUÇULMANOS E CRISTÃOS JUNTOS PELA DEMOCRACIA.
Waad passou a viver em Aleppo, casou-se com um jovem médico, Hamza, que como ela participava nas manifestações – e foi mãe de Sama.
Aleppo tinha-se tornado naquele tempo que parecia de primavera árabe a cidade epicentro da revolta pacífica contra o regime de Al Assad na Síria. Aspiravam derrotar o ditador sírio, tal como tinha acontecido com Ben Ali na Tunisia e com Mubnarak no Egito.
Waad e quem se manifestava com ela não imaginava a sanguinária resposta do regime sírio – sobre a população de Aleppo – que passou a ser classificada como a cidade dos rebeldes.
Com o apoio determinante da aviação e de poderoso armamento dos aliados da Rússia de Putin – Al Assad massacrou a enorme cidade de Aleppo durante quase 4 anos – uma barbárie que causou uns 400 mil mortos- e uma guerra que pôs em êxodo como refugiados 5 milhões e meio dos 21 milhões de sírios. Uma grande parte partiu da região de Aleppo.
Logo no começo do desespero da guerra, numa manhã de 2012, depois das jornadas de eufóricas manifestações, Waad de mão dada com Hamza, teve uma primeira visão do que seria o inferno nos 4 anos seguintes: cadáveres de jovens torturados e executados a boiar no rio que atravessa a cidade de Aleppo.
Waad tinha uma câmara de video e começou a filmar. Nos 4 anos seguintes nunca mais largou aquela câmara. Tornou-se cineasta documental e como tal repórter de guerra – também da maternidade dela própria, da vida em comum com Hamza e da filha de ambos, Sama, nascida entre as bombas.
Com o que filmou – montou um filme – Para Sama – 93 minutos de cinema que arrebatou uma mão cheia de prémios.
Os primeiros segundos do filme são de fugaz ilusão,. É-nos mostrado o casamento de Waad e Hamza, os noivos dançam abraçados ao som do sentimental Crazy, de Willie Nelson, numa versão na voz de Julio Iglesias.
Depois, nunca mais há descanso, é a loucura e o inferno da guerra. Waada filma por entre escombros ainda fumegantes, filma rostos desesperados pelo medo e pela impotência, filma a gente que chega ao hospital de Hamza com o corpo destroçado, filma tanta gente já sem vida.
No filme, como crónica do inferno daqueles 4 anos de guerra de Assad e de Putin, muitas imagens são caseiras.
Mas o filme, montado como uma carta em que Waad conta à filha Sama, a vida sob chuva torrencial de bombas – o que nos mostra naquela hora e meia de cinema documental é tão duro e doloroso – que em alguns momentos chega a ser insuportável mantermos o olhar sobre as imagens.
Vemos como Sama passa os primeiros anos de vida refugiada no hospital onde o pai trabalha – o único edifício que continuava de pé aos olhos sobre a zona leste da cidade Aleppo – mas acabam a ter de mudar após mais um ataque dos caça bombardeiros que Putin pôs ao serviço de Assad.
Há quem antes de ter estado nesta guerra em Aleppo, na Síria – tenha vivido um inferno semelhante em Grozny, na Chechenia. A mesma tática de continuado desgaste e desmoralização da população civil que, apesar dos sucessivos bombardeamentos resiste na cidade.
É de temer que o método seja o mesmo para Kiev na Ucrânia.
O filósofo francês Edgard Morin com a sabedoria d já 100 anos de vida – escreve esta semana – o que parece uma síntese da tragédia agora em curso: o ocidente tenta fazer tudo o que é possível fazer exceto o essencial – porque se o fizesse a guerra precipitaria a Ucrânia, a Europa e a América na catástrofe de um novo conflito mundial.
Morin não deixa de se interrogar: até onde será capaz de ir Putin. O filósofo francês – com tanta sabedoria, tanta experiência acumulada em 100 anos de vida apenas sabe responder – tudo está incerto, tudo está perigoso.