Às zero horas daquela segunda-feira, após mais de 450 anos de negligente colonização portuguesa, após 24 anos de bárbara ocupação e impune genocídio indonésio, e quase três anos de bem sucedida apesar de contestada transição sob comando da ONU a cargo do brasileiro Sérgio Vieira de Mello.
Timor ia passar a ser o primeiro país do século 21, nascia como um dos mais pobres da Ásia e do mundo (triste destino de ex colónias portuguesas), mas com recursos – em gás e petróleo no Mar de Timor – e matérias-primas em terra, para além das pessoas que consolidavam a esperança para a população da ilha com 14609km2 e então cerca de 800 mil pessoas.
Naqueles dias, apesar de um outro que se posicionava como ave de mau agoiro, a euforia era absoluta. A bandeira negra, branca e vermelha da Republica Democrática de Timor Leste ia ser içada no mais alto mastro alguma vez levantado em Timor – 50 metros de altura – foi preciso usar tubos de canalização assentes numa enorme sapata diante do povo. Mais de 200 mil pessoas reunidas no enorme, muito empoeirado, terreiro de Taci Tolo, na periferia de Díli, diante do povo em júbilo, mas também de dirigentes políticos que atestavam o reconhecimento internacional da independência conquistada pelos guerrilheiros e pelo povo de Timor à custa de muito sofrimento, muito sangue, muitas lágrimas, muitas vidas: mais de 200 mil timorenses foram mortos nos 24 anos de brutal invasão indonésia.
Xanana aparecia como o ´Mandela´ de Timor – assim lhe chamou o ex-presidente português, Mário Soares.
A conduzir a reconciliação - quis ter ali na festa da independência – a presidente do país que tinha sido o invasor, Megawati Sukarno Putri, que levou com ela uma dúzia de ministros de Jacarta (quase superou a ampla delegação portuguesa liderada pelo presidente Jorge Sampaio com todas as principais figuras do Estado de então e das duas anteriores décadas).
Também estava na festa o secretário geral da ONU, o então Kofi Anan; o primeiro-ministro John Howard, da Austrália; o ex-presidente dos EUA, Bill Clinton – que em setembro de 99, ao escutar os desesperados apelos de Sampaio e de Guterres, foi determinante para que o conselho de segurança da ONU enviasse imediatamente para Timor uma força de paz para parar a barbárie que estava a ser executada por milícias pro indonésias, derrotadas no referendo que ditou a independência.
Foram emocionantes aqueles 6 minutos em que a voz poderosa de Barbara Hendricks cantou com grande força espiritual "Oh Freedom – We Shall Overcome", no meio de Xanana, Ramos Horta, Koffi Annan Clinton, Sampaio – todos em mangas de camisa – enquanto era arriada a bandeira da ONU e depois içada a da RDTL.
O vistoso fogo de artificio foi espelho da explosão de euforia de todos (o qual testemunhei do cimo de dois contentores empilhados, para com o formidável apoio técnico de Fernando Nunes poder contar o que acontecia no palco ao qual que se acedia por escada íngreme.
Naquela manhã do dia mais longo, logo pelas 9 horas tínhamos ido à residência dos jesuítas em Tribesse, ao encontro de uma extraordinária figura portuguesa em Timor, o padre João Felgueiras, nascido em Portugal em 1921 nas Taipas, Guimarães. Foi para Timor como missionário em 1971, ainda antes da invasão indonésia.
É o exemplo de um missionário- ao lado das pessoas a ajudar as pessoas – estimadíssimo por todos. É um herói português da resistência timorense.
Naquela manhã, às 10, todo de branco, barba farta, aquele homem esguio, muito magro disse a missa na igreja da Imaculada Conceição de Balide. Depois, encontrou-se com outro português testemunha dos momentos determinantes de Timor, o repórter Adelino Gomes.
O padre Felgueiras chegou a Timor em 71, Adelino estava lá em reportagem a testemunhar quando a força militar indonésia iniciou a brutal invasão.
Naquele dia exaltante de Timor há 20 anos, o padre Felgueiras comentou para Adelino Gomes:
"O que se passou em Timor é um caso único na história do mundo. Houve dor, paixão, calvário, para haver no fim Ressurreição. Mais do que as pedras, a UNESCO deve declarar a coragem dos timorenses como Património da Humanidade".
É mesmo um caso único – ainda que nestes 20 anos muitas vezes não tenha corrido bem.
O missionário João Felgueiras – agora com 101 anos – lá continua. É uma referência.
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