Djamilia Pereira de Almeida é uma escritora de escrita apurada, singular, envolvente, e sempre com leitura filosófica.
Na crónica 'A cara do nosso tempo', que escreve para a edição desta semana do Expresso, Djamilia alerta-nos para a desvalorização da fotografia imprensa. Refere-se à falta (em tantos casos – felizmente não todos) de imagens que possam ser radiografias da alma, e que nos permitam entender os fotografados além daquilo que os mesmos querem que aprendamos.
Acabo de percorrer – vagarosamente, a contemplá-las, fotografias de Saramago, e elas dão-nos de facto o Saramago que comecei por conhecer a ler o que escrevia, e que depois tive a sorte de encontrar muitas vezes – e até a ponto de perceber que mesmo ao estar feliz, muito feliz – por exemplo, ao lado de Pilar naquele fim de tarde do extraordinário discurso Nobel em Estocolmo – o discurso em que percorreu a vida, os afetos, as amarguras, Saramago nunca deixava de ter aquela expressão espartana, sóbria, grave – entre o melancólico e o rebelde – com uma esperança que assumia – a de salvar a palavra bondade. O desejo de ver crescer a bondade das pessoas – e sempre em luta contra a indiferença.
Entra aqui uma nota pessoal – embora tudo acabe por ser pessoal – de todos os livros de Saramago – apesar dos extraordinários 'Memorial do Convento' e 'Ano da Morte de Ricardo Reis' – o que mais mexeu comigo é 'O Evangelho Segundo Jesus Cristo' – ao introduzir-nos um Jesus como homem que se engana, que ama, que tenta ser feliz – o Jesus do amor carnal com Maria Madalena. Saramago introduz assim uma personagem nova na história da literatura.
Mas – voltando ao principio – ao alerta de Djamilia para a falta de fotografias que sejam radiografias, Saramago fez isso há mais de 40 anos – viajante a contar o que vê- através do livro 'Viagem a Portugal', história de uma viagem que – escreve Saramago – transporta um viajante, viagem e viajante em procurada fusão daquele que vê e do que é visto.
O narrador itinerante – o viajante que é ele Saramago organiza a viagem por Portugal em 6 grandes percursos. E o que temos sempre é a profundidade do olhar. O olhar do viajante – que contempla e que a partir da contemplação, é ele Saramago quem nos guia.
Aqui o viajante apenas sentiu o prazer dos olhos e mais à frente na viagem – sempre literária – reconhece, o viajante é, como já se tem visto, dado a imaginações, há que se dizer - ainda bem.
E concluir com Saramago – a viagem não acaba nunca. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já. Saramago reconhece que os olhos valem muito mas não podem alcançar tudo, mas – exigente explica que ao contemplar o viajante vai aguçando a observação. O que tanto se deseja.