“Sobre Timor, um fogo fino paira, alastra, crepita quando da terra se aproxima”
Assim escrevia em 1947 o despojado poeta, etnógrafo, silvicultor. Meteorologista, Ruy Cinatti em declaração de encantamento pelas pessoas habitantes, pela natureza e pela ilha de Timor.
Mas, 8 anos depois, ao partir (em 55) Cinatti exprimia amargurado a dor pelo desprezo e ignorância do distante e negligente regime colonial português pela cultura timorense e pela sabedoria com que esta tinha desenvolvido o equilíbrio com a natureza:
“Estão a destruir este ecossistema de pessoa humana e natureza”, clamava em 55 – Rui Cinatti, ao deixar a ilha com o poema morte em Timor a dizer-nos:
“Lágrimas são a chuva que nos molha a vida inteira”. Vinte anos depois, em 1975 a negligencia da administração colonial portuguesa passou, como comentou o recém falecido repórter Max Stahl, a “atrocidade por parte da potência ocupante indonésia”.
Nesse tempo (1974/75) alguns líderes do povo maubere (o povo timorense) sentiram os calores da revolução democrática portuguesa (25 de abril de 1974) e ousaram soltar a tomada de consciência política: avançaram sob a bandeira da Fretilin para a ambição de independência - declarada em 28 de novembro de 1975.
Durou apenas 10 dias, porque em 7 de novembro a Indonésia esmagaria essa ambição de liberdade do povo de Timor: a Indonésia invadiu timor com grande poderio militar e a repressão associada. Invocou como pretexto ser preciso estancar lutas entre grupos timorenses rivais.
A invasão – que se prolongou por 24 anos - é um episódio brutal que a comunidade internacional nunca validou. mas que beneficiou de complacências.
Aquele era o ano 75, o ano da derrota final dos Estados Unidos da América no Vietnam. A Fretilin tinha a etiqueta dos comunismos do Pacifico e assim Washington fechou os olhos à ilegal invasão indonésia de timor.
Portugal demorou a despertar para o caso de Timor mas – a vontade de expiar pecados coloniais, purgar culpas, reparar erros, acabou por impor-se: em 86, Mário Soares eleito Presidente da República em Portugal passou a reclamar em todos os discursos internacionais o direito do povo timorense à autodeterminação; foi depois seguido nesta firmeza por 2 ativos ministros dos estrangeiros: Durão Barroso e Jaime Gama.
Coube-me como repórter acompanhar – em maio de 99 – 24 anos depois da invasão – acompanhar na sede das Nações Unidas em Nova Iorque mais uma das muitas rondas negociais Portugal – Indonésia. Dessa vez, já noite alta, o ministro indonésio Ali Alatas deixou a sala, depois o ministro português Jaime Gama abriu a porta, e ele que costuma ter sempre expressão grave, por uma vez sem esconder entusiasmo, declarou: a Indonésia aceita que o povo timorense seja consultado sobre o seu destino.
Houve referendo em agosto desse ano 99.
Os timorenses, apesar de submetidos por 24 anos à ocupação indonésia, conservaram o sentimento de identidade , a língua tétum, alguma ligação à portuguesa que entrava em Timor todos os dias pela rádio e sobretudo conservaram a vontade de independência e auto-governo, e assim votaram de modo maciço pela independência.
Seguiram-se semanas de terror. desencadeado por milícias orquestradas por gente do ocupante indonésio.
Ao fim de uma semana de atrocidade, em 7 de setembro de 99, o então Nobel da literatura José Saramago escrevia indignado para jornais de meio mundo:
“Que importa ao mundo que eu me sinta humilhado e ofendido…Que importa ao mundo que eu esteja a chorar lágrimas de impotência perante a indignação infame de um crime infame? Se esta desgraçada humanidade não impõe à Indonésia, em nome da moral – o acatamento imediato e incondicional da vontade do povo de Timor – pergunta-se: o que é que se passa com o ser humano?”
As lideranças portuguesas de então com Jorge Sampaio e António Guterres à cabeça pressionaram o Conselho de Segurança da ONU que uma semana depois decidia por unanimidade – o envio da interfet – força militar internacional, sob o comando australiano, para a estabilização de Timor. O terror sofrido pelo povo timorense – naqueles dias e ao longo de 24 anos de ocupação – podia finalmente começar a ser estancado e a construção do país independente podia começar.
Mas para que a independência fosse possível foi determinante – o impacto das imagens de uma meia hora de barbárie – há precisamente 30 anos, 12 de novembro de 91:o massacre no cemitério de Santa Cruz.
Quando tropas indonésias dispararam à queima roupa sobre uns pelo menos 500 timorenses que iam em romagem à campa de um deles.
Morreram ali, nessa emboscada, 271 timorenses; outros mais nos dias seguintes.
Com um pormenor: daquela vez havia alguém que ao filmar toda aquela atrocidade abriu os olhos do mundo para a barbárie praticada pela Indonésia em Timor.
Esse repórter é o britânico Max Stahl, quando um cancro levou a vida do homem que ao fazer romper corajosamente o muro de silêncio abriu portas à independência de Timor.
Lembro-me de ouvir isso mesmo dito por Xanana Gusmão abraçado a Jorge Sampaio, na tarde de 12 de fevereiro do ano 2000, diante de uma das sepulturas no cemitério de Santa Cruz.
Sabemos como o coração de Jorge Sampaio lhe chegava aos olhos, mas naquele momento, Xanana também chorava.