Arquivo SBS: Timorenses da Austrália vão a Tóquio pedir compensação por crimes de guerra

Timor -Leste flag

Source: Ameeta Jain

No aniversário de 21 anos da independência de Timor-Leste, trazemos uma reportagem da SBS Portuguese de 1995, no aniversário dos 50 anos do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando timorenses da Austrália foram a Tóquio, junto ao ativista Andrew MacNaughtan, pedir compensação por crimes de guerra. Muitos acreditam que se a Austrália não tivesse entrado em Timor-Leste na Segunda Guerra Mundial, o Japão não teria ocupado Timor-Leste, então território neutro português.


***Reportagem de arquivo, que foi originalmente ao ar em 1995.

Durante as comemorações dos 50 anos desde o fim da Segunda Guerra Mundial no Pacífico, um casal timorense pediu ao Japão e à Austrália que assumissem as responsabilidades do tempo de guerra pela morte de dezenas de milhares de timorenses.

António Maia e Verônica Pereira Silva, de Darwin, estiveram em Tóquio no Fórum de Compensação de Crimes de Guerra, onde pediram ao Japão para colocar mais pressão sobre a Indonésia no que diz respeito aos direitos humanos em Timor-Leste. 

O médico australiano Andrew MacNaughtan esteve em Tóquio com os timorenses. Numa entrevista ao programa de língua portuguesa da Rádio SBS, ele disse que a Austrália violou a neutralidade de Timor-Leste primeiro, desembarcando tropas em dezembro de 1941, o que possivelmente desencadeou a invasão japonesa dois meses depois, com resultados devastadores.

Verônica Pereira Maia tinha 15 anos quando os japoneses chegaram a Timor-Leste. Ela morava com o pai, avós e cinco irmãs. Veronica nos conta que seu tio foi morto pelos japoneses quando descobriram que ele escondia três australianos em casa.

“Os japoneses vinham todos os dias perguntando sobre meu tio e depois perguntando a ele ‘Onde estão os soldados australianos?’. E meu tio sempre se escondia, dizendo ‘Não tenho’, ‘Não tenho’, ‘Não vi tropas australianas’. E depois, uma semana, tiraram meu tio de casa, bateram, bateram, por duas semanas então, com bambu, que pode matar. Depois mataram meu tio, ao que parece depois de quatro ou sete horas de espancamento. Mataram meu tio, tia, avó, pai, toda a família”, disse Veronica.

Verônica também nos contou a história de uma jovem mãe, cujo marido foi morto pelos japoneses, e que foi levada para a casa de Verônica, onde foi usada como escrava sexual por três anos, enquanto os japoneses estavam lá.

“Eles abusaram daquela senhora, com uma criança pequena, um bebê. Ela foi trazida para nossa casa e ficava andando nua pela casa e então minha avó, e minha tia deram algumas roupas à senhora. Ela ainda foi mantida em casa com aqueles homens por três anos. Ela ficou na nossa casa. Eles abusam dela todos os dias, todas as noites todos eles a usam como uma coisa, como uma coisa de mulher escrava”, contou Verônica. 

SBS - Quem era aquela senhora?

Verônica - “A senhora era de Bobanaro. Ela ainda está viva, em Timor, em Bobanaro.

Verônica também nos disse o que ela quer dos japoneses e australianos.

“Acho que japoneses e australianos deveriam sentar-se juntos para tirar as forças indonésias de minha terra”.

António Maia tem 74 anos. Ele tinha 16 anos e vivia em Lacluta quando os japoneses chegaram a Timor. Ele nos conta agora como os japoneses mataram seus três cunhados, que fugiram de uma prisão, no momento em que foram encontrados pelos japoneses.

“Eles estavam andando sob as árvores, olhando os galhos com binóculos. Eles estavam nas árvores, nos galhos. Eles punem meus cunhados lá. Eles penduram na árvore, em uma jaqueira, depois queimaram “piri-piri”, aquelas folhas, fizeram uma coisa parecida com uma tocha de fogo e quando falaram que não podiam mais aguentar, eles disseram palavrões aos japoneses e os japoneses cortaram a corda de cima, eles caíram e foram espancados logo em seguida com bambu, na cabeça. Os três morreram”, disse Antonio.

António também falou sobre japoneses e australianos.

“Agora, de fato, quando cheguei aqui, eu disse ‘Não gosto dos japoneses’. Agora mesmo na conferência, eu disse ‘Não gosto deles, não quero’. Por quê? Porque o povo, sim senhor, não tem culpa. Apenas os soldados. O exército é o que é… inacreditável”.

SBS - E os australianos em Timor?

“Australianos, mais ou menos. Eles estavam por toda parte, ao redor. Eles mataram algumas pessoas, aqueles que eram espiões eles mataram. Eles não exploraram as pessoas como os japoneses abusaram das mulheres de Timor. Eles abusaram de todo o resto. Minha terra no momento não tem quem mande. Apenas a Indonésia está sobre minha terra. De vez em quando venho aqui para contar ao povo Maubere, o que sofremos nos tempos dos japoneses, não só minha família, foram todos em Timor. Até indonésios. Até Kupang. Até Atambua. Todo mundo sofreu”.

O Dr. Andrew MacNaughtan fala mais sobre as reivindicações destes dois timorenses, Antonio Maia e Veronica Pereira Maia.

“O fato é que essas duas pessoas perderam muitos familiares por conta dos japoneses. Antonio Maia perdeu 32 membros da família por conta dos japoneses e ambos perderam um número significativo de pessoas próximas durante a invasão indonésia. Parte da razão de vir aqui não é tanto falar sobre a história do Japão na Segunda Guerra Mundial em Timor. É muito relevante, devido ao problema atual aqui em Timor-Leste, porque o governo japonês é o maior apoio financeiro da Indonésia. Eles investem mais na Indonésia do que em qualquer outro país. Eles dão mais ajuda externa à Indonésia do que qualquer outro país. Historicamente, os japoneses treinaram a milícia indonésia e eles se tornaram o exército indonésio. De certa forma, o exército indonésio teve seu nascimento sob o exército imperial japonês de 1943 a 1945. O povo timorense em Darwin, através de Antonio Maia e Verônica Pereira, está na verdade tentando alertar o povo e o governo japonês sobre a responsabilidade da Segunda Guerra Mundial para que façam algo sobre o problema em Timor-Leste agora”.

O casal timorense e o Dr. Andrew MacNaughtan partiram de Tóquio esta manhã para Darwin."

Reportagem do arquivo dsa SBS Portuguese, de 1995.


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