A vida dura da mulher de Moçambique: tema focado por Paulina Chiziane no Prémio Camões de 2021

Paulina Chiziane

Source: Twitter

Confira na crônica desta semana do correspondente do Programa Português da Rádio SBS em Lisboa, Francisco Sena Santos.


A moçambicana Paulina Chiziane, 66 anos, escritora há quase 40, venceu por unanimidade do júri lusófono a 33.ª edição do Prémio Camões, o mais celebrado prémio literário de língua portuguesa. Para além da honra, também tem um cheque com o valor de 100 mil euros.

Paulina é a primeira mulher a ter publicado um romance em Moçambique, foi Balada de Amor ao Vento, de 1990. Antes publicava contos em jornais. E é também a primeira mulher africana a ser premiada com o Prémio Camões.


Natural de Manjacaze, no sul de Moçambique, província de Gaza, onde nasceu em 1955, Paulina Chiziane cresceu nos subúrbios de Maputo, entre culturas muito distintas. Filha de pais protestantes, falante das línguas chope e ronga, aprendeu português na escola de uma missão católica. Muito jovem, integrou a Frelimo — a Frente de Libertação de Moçambique —, mas a desilusão com a política fê-la optar pela escrita a tempo inteiro.

Paulina Chiziane, com uma dúzia de livros publicados, é uma escritora que com escrita muito oral, muito marcada pela experiência dura da vida em Moçambique e ela conheceu abismos do sofrimento no trabalho com a Cruz Vermelha, dá voz à mulher, numa obra em que a mulher está ao centro e em que aparecem problemas atuais relacionados com a realidade moçambicana e africana.

"Niketche: uma história de poligamia" é o livro que melhor sintetiza o trabalho da escritora, porque, como ela reconhece, “diz realidades que ninguém ousou dizer”. Neste livro Paulina denuncia um ritual que subjuga a mulher ao homem e questiona o diferencial de poder entre o feminino e o masculino, numa linguagem crua que toca o interdito, especificamente acerca do sexo e do desejo feminino. Paulina Chiziane faz essa ruptura com tabus culturais com pleno uso da liberdade literária radicada num português em que entram expressões e falas das outras línguas que se habituou a ouvir desde criança, afinal as línguas dela. Sempre com grande afirmação da identidade dela - feminina, africana, marcada por histórias em que entra a violência. É um livro em que a poligamia é revista pelo olhar da mulher e em que são espelhados os efeitos e as feridas da colonização, ou o modo como a guerra colonial dizimou um país que, mais de 40 anos depois da independência, ainda não se pacificou. 


Este livro "Niketche: uma história de poligamia", publicado em 2003, foi nesse ano distinguido com o prémio José Craveirinha.


Craveirinha, em 1991 e Mia Couto, em 2003, são os outros moçambicanos já distinguidos com o Camões, prémio que já reconheceu Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto, José Saramago, Sophia de Mello Breyner, António Lobo Antunes, Lygia Fagundes Teles, António Cândido, Eduardo Lourenço, Ferreira Gular, João Ubnaldo, Manuel António de Pina, Luandino Vieira e, entre outros, Chico Buarque de Hollanda. Esta escolha de Chico Buarque irritou o Presidente Jair Bolsonaro, a ponto de afirmar que não assinaria o diploma de atribuição, o que levou o músico e escritor a assegurar que encarava a ausência da assinatura do chefe de Estado brasileiro como “um segundo Prémio Camões”.


A agora premiada Paulina Chiziane é a escritora de livros como Sétimo Juramento (2000); O Alegre Canto da Perdiz (2008); As Andorinhas (2009), Por Quem Vibram os Tambores do Além (2013), Ngoma Yethu: O Curandeiro e o Novo Testamento (2015); O Canto dos Escravos (2017). Já neste ano lançou em Maputo, em conjunto com Dionísio Bahule, o livro A Voz do Cárcere, que reflete a experiência de ambos em prisões moçambicanas para ouvirem os reclusos — ela a escutar as mulheres, ele, os homens.


É uma escritora a conhecer, Paulina Chiziane, Prémio Camões, o maior prémio literário da lusofonia, neste 2021.



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