A literatura africana tem quase sempre mais magia, mais cores, mais metáforas, mais sonhos. Encontramos sempre essa fantasia nos contos, nas crónicas e nos romances de Mia Couto, da Terra Abensonhada às Estórias Abensonhadas, passando pela Varanda de Frangipani ou o Último Voo do Flamingo. Agora, Mia Couto está a lançar O mapeador de Ausências, romance com como sempre sedutora prosa lírica.
Conta-nos uma história com muitas histórias do passado dele enquanto jovem na cidade da Beira través da viagem de um prestigiado professor universitário, que – pouco antes do ciclone que no ano passado arrasou muito da cidade da Beira - regressa, após longa ausência, àquela cidade onde nasceu. Vai ser homenageado pela Beira e essa viagem serve para Mia escritor, na pele do professor protagonista, mapear (como um repórter que foi, também com poesia) o passado que começa no tempo colonial.Junta memórias de perseguições e massacres das guerras, traz personagens complexas, até o pai tão ausente por estar sempre fechado na leitura. E vem até à Beira de hoje. Foi precisamente na cidade da Beira que Mia Couto iniciou o lançamento deste Mapeador de Ausências.
Mia Couto. Source: Luis Miguel Martins, Wikipedia (Creative Commons)
A primeira sessão foi no começo deste novembro. Coincidiu com alta do sobressalto com a escalada da barbaridade terrorista em Cabo Delgado, o grande norte moçambicano. E Mia quis deixar-nos este abanão.
Falta quem possa reportar a tragédia em curso em Cabo Delgado. Os tempos estão agora mais constrangidos para novos Kapuscinky – o grande repórter polaco que nos contou, a partir da experiência de vida das pessoas comuns, ao ir para os países e vivia ao lado das pessoas mais desfavorecidas. E assim contou-nos, com a profundidade humana daqueles processos de independência.
Voltando a Moçambique, país de 30 milhões de pessoas e imensos recursos naturais nos 2 mil quilômetros de costa, e sobretudo nesse grande norte da província de Cabo Delgado. São recursos ricos explorados por multinacionais, mas sem recompensa para a paupérrima população local, exposta à crueldade de uma galáxia de grupos jiadistas.
Há um diplomata, o suiço Mirko Manzoni, que podemos ver como sucessor do italiano, agora cardeal, Matteo Zuppi, na missão de construir pontes. Manzoni, tal como Zuppi – mediou o apaziguamento entre Frelimo e Renamo.
Agora, como represente pessoal de António Guterres, secretario geral da ONU, Manzoni tenta ajudar Moçambique a livrar o norte do país da atrocidade desses bandidos jiadistas.
Em entrevista ao Le Temps de Geneve, ele identifica nesses grupos gente da Somália, do Iemene, da Líbia, que dispõe de armas sofisticadas e que promove em Cabo Delgado uma desestabilização, mesmo insurreição, que lembra a do Mali em 2012.
Manzoni desaconselha o envio de tropas estrangeiras para combater esse jiadismo. Defende ,sim, apoio ao exército de Moçambique para que possa combater com eficácia esses inimigos.
É também o que Portugal está a oferecer.
Manzoni lembra que, nestes casos, quando do outro lado estão violentos surdos ao diálogo, não há negociação possível. O necessário é garantir segurança do território antes deixado ao abandono.
E, como nos abana Mia Couto, falta-nos conhecer aquelas tantas pessoas em êxodo e em desespero e as tantas vidas cortadas de modo tão atroz.