Podemos, sim, mergulhar em alguns grandes do século 20 - Nina Berberova, a mulher livre que de São Petersburgo partiu para o exílio e, sobretudo, Vassily Grossman, um escritor que começou por ser estalinista, evoluiu e conta-nos extraordinariamente a perda da liberdade.
Falta-nos a escrita da Rússia de agora, mas temos o tesouro que é a revelação da alma russa através dos mestres escritores da Rússia do século 19. A questão até é por onde começar? Se pela beleza poética de Pushkin. A sátira também com lágrimas amargas de Gogol. A subtileza dos dilemas morais do médico escritor Tchekov. As grandes perguntas em torno de como vivemos a vida colocadas pelo genial observador que é Dostoievski. Todos eles, e outros, escritores transcendentes.
E, sobretudo, um livro do escritor Leon Tolstoi – “Guerra e Paz”. Espantosa exposição do horror da guerra com a monstruosa sangria que acarreta. As infinitas penúrias que golpeiam pessoas comuns. A estupidez criminosa de quem desencadeia o cataclismo – em nome de uma qualquer ambição – talvez um nacionalismo. O relato que lemos nas centenas de páginas de “Guerra e Paz”, tendo em fundo a invasão da Rússia por Napoleão, é tremendo.
Mas a leitura consola-nos porque apesar dos canalhas, a grandeza humana supera essas misérias. E o romance de Tolstoi encaminha-nos para a verdade que revela a distinção entre o bem e o mal, como fica evidente na personagem do general Kutuzov (homem eminentemente moral, espelho da complexidade da vida) que faz a guerra porque é esse o trabalho dele, mas que preferia dedicar o tempo a ofício mais espiritual. Todas as personagens neste tecido literário de Tolstoi confrontam-nos com o sentido da honra e do dever (o principe Bolkonski), ou encaminham-nos (como acontece em Pierre Bezujov) através dos monólogos interiores para o processo de evolução moral e espiritual.
São páginas infinitas de denúncia – e desafio aos tiranos que desencadeiam a guerra é uma releitura, ou talvez leitura oportuna para os que agora andam em ameaças de guerra.