O notável legado literário de Agustina Bessa-Luís

portuguese author Agustina Bessa Luis

Source: Ulf Andersen/Getty Images

Morreu Agustina Bessa-Luís, um dos génios da literatura em português.


Um facto indiscutível: Agustina Bessa-Luís partilha com Sophia de Mello Breyner o reconhecimento geral como as mais importantes mulheres escritoras no último século em Portugal.

Mais: se juntarmos os géneros, elas continuam a ser cimeiras, ao lado de Fernando pessoa, Raul Brandão, José Saramago, Herberto Hélder e António Lobo Antunes.

Hoje mesmo, um respeitado escritor contemporâneo, Gonçalo M Tavares, eleva o patamar, ele diz ao Expresso que Agustina “é a maior escritora de sempre da Língua Portuguesa. Está acima de Clarice Lispector, que também considero uma escritora absolutamente incrível”.

Afastada da vida pública, por razões de saúde, desde 2006, a escritora Agustina Bessa-Luís morreu nesta segunda-feira, aos 96 anos.

Repare-se no que sobre Agustina refere o presidente de Portugal ao tomar conhecimento da morte da escritora:

“Há personalidades que nenhumas palavras podem descrever no que foram e no que significaram para todos nós. Agustina Bessa-Luís é uma dessas personalidades”, reagiu o presidente Marcelo. Em memória da “criadora”, “cidadã” e “retrato da força telúrica de um povo”, o “Presidente da República curva-se perante o seu génio e expressa aos seus familiares as mais sentidas condolências”.

O governo de Portugal declarou que a terça-feira do funeral, do Porto para a Régua, sempre junto ao Douro, é dia de luto nacional.

Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa-Luís nasceu em Vila Meã, Amarante, a 15 de Outubro de 1922. A infância e a adolescência da escritora serão passadas nesta região, que marcará fortemente a sua obra. Estreia-se como romancista em 1948, com a novela Mundo Fechado, mas é em 1954, com o romance A Sibila, desde então sucessivamente reeditado, que se impõe como uma das vozes mais importantes (uma voz “incomparável”, como dirá o ensaísta Eduardo Lourenço) da ficção portuguesa contemporânea.

Afastada da vida pública, por razões de saúde, desde que em 2006 sofreu um acidente vascular cerebral, Agustina Bessa-Luís foi distinguida em 2004 com o Prémio Camões, o mais alto galardão das letras em português – este ano atribuído a Chico Buarque. Agustina recebeu-o, no Rio de Janeiro, das mãos de Gilberto Gil, então ministro da Cultura. Eduardo Prado Coelho (1944-2007), um dos jurados dessa edição do prémio, definiu-a como “uma extraordinária cronista com sentido de humor e uma visão original e, por vezes, desconcertante da literatura”. Vasco Graça Moura (1942-2014), que fez parte do mesmo júri, considerou-a então “uma escritora universal”.

Perante a notícia da sua morte, a escritora Hélia Correia (Prémio Camões em 2015), não tem meios-termos para a classificar: “Se há génio, é Agustina. Se há mistério literário, é Agustina. Se há alguém que não morre, é Agustina”.

A Sibila, Vale Abraão, Fanny Owen, O Mosteiro, Deuses de Barro, A Ronda da Noite, O Manto, Os Meninos de Ouro, Ternos Guerreiros, são título de alguns dos principais romances escritos por Agustina.

Várias obras suas foram adaptadas ao cinema pelo realizador Manoel de Oliveira, e assim foram vistas, além de lidas: Fanny Owen (1981, adaptado para Francisca), Vale Abrãao (1993), As Terras do Risco (1995, adaptado para O Convento) e O Princípio da Incerteza (2002). Ela (Agustina) escrevia, ele (Oliveira) fimava: foi uma parceria criativa que durou mais de duas décadas e resultou em quase uma dezena de filmes.

Há já meio século, escreveu um ensaísta respeitado como é o historiador António José Saraiva: “Agustina será reconhecida quando, com a distância, se puder medir toda a sua estatura, como a contribuição mais original da prosa portuguesa para a literatura mundial. Ainda está demasiado perto de nós para que possamos desenhar o contorno do seu esplendor, que, como acontece em todos os casos de genialidade pura, é ainda invisível a muito dos seus contemporâneos.”

Chegou o tempo da posteridade para Agustina Bessa-Luís.

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