“Vir para a Austrália foi um derivativo de outras experiências anteriores. Depois de ter vivido em África, primeiro a fazer o serviço militar e ainda não casado, e depois já casado na companhia dos Diamantes de Angola. E, mais tarde, indo para o Brasil, ficando por lá 6 ou 7 anos. Ao regressar a Portugal, no início da década de 80, sentimos que depois das experiências de África e do Brasil, Portugal já nos parecia um país muito pequenino e com muitos limites. E pensámos então novamente ir à aventura, desta vez para outro país grande como o Canadá ou a Austrália. Olhando para o mapa mundo, vi que as latitudes e os climas tropicais do Brasil e de África eram muito semelhantes aos da Austrália. A decisão foi tomada e aí viemos nós para cá”, começa por explicar Costa David, transportando-nos para a grande aventura que o trouxe até à Austrália em 1988, juntamente com a sua família. Na época ainda exercia a sua profissão de engenheiro na área das telecomunicações e eletrónica. Mas como a sua esposa era professora do ensino primário em Portugal, poucas semanas depois de chegarem a Sydney já estavam ambos envolvidos no projeto das escolas portuguesas e já os dois a darem aulas.
“Não tendo de base a formação de professor tive que fazer vários cursos, uns curtos e outros mais longos, para que pudesse lecionar dentro da área. Inclusive, depois tirei vários cursos de metodologia para os anos 11 e 12, e foi assim que comecei a dedicar-me a ensinar os mais velhos, os alunos dos anos mais avançados”, acrescenta o professor.
Quando questionado acerca das vantagens do bilinguismo - já que a maioria dos seus alunos de língua portuguesa é bilingue - e se considera que estes têm mais dificuldades nos exames HSC quando comparados com os alunos cuja primeira língua é o inglês, Costa David não tem dúvidas:“Depende um pouco do ambiente familiar que os alunos tenham. Infelizmente, há muitos pais que, por estarem aqui há já muitos anos, acabaram por habituar-se a falarem o inglês em casa inclusive com as crianças. Mas depois insistem que as crianças têm que ir à escola portuguesa. Ora isso dá-lhes um mau exemplo e depois muitas delas ficam um pouco confusas porque, ao fim e ao cabo, acabam por falar o inglês em casa e depois são como que, entre aspas, obrigadas a irem à escola portuguesa. E, no fundo, essa obrigação dos pais é para manter o contato com os avós, com tios, com primos, quer residentes na Austrália quer residentes em Portugal.”
Contudo, Costa David também admite que há algumas famílias que dão a importância devida à língua portuguesa e à sua manutenção, escolhendo o português como a língua que todos usam em casa, segundo o professor, “se não a 100%, pelo menos a 90 ou 95%”. E isto, garante Costa David, “vai depois ajudar muito a criança no ambiente escolar, particularmente depois nos exames HSC”.
Referindo-se em particular aos exames de HSC que decorreram durante o mês de Novembro, por toda a Austrália e para todos os alunos do ano 12 que pretendem candidatar-se à universidade, Costa David vai mais longe na importância do reforço da língua portuguesa falada em casa com regularidade:
Aqueles que alcançam uma melhor nota nos HSC, na banda 6 que vai dos 90% aos 100% (de nota final), praticamente são sempre aqueles que são nascidos aqui e tiveram um suporte fortíssimo da família sempre a falar português com eles desde que nasceram, embora eles tenham feito toda a escolaridade australiana em inglês.
Depois há ainda os alunos cujo o uso da língua é naturalmente mais fácil: "Por outro lado, também há alunos que acabam por conseguir uma banda 6 no seu HSC, mas que são aqueles que acabam de chegar à Austrália vindos do Brasil ou de Portugal recentemente. Estes alunos já vêm com uma escolaridade no português bastante avançada”.
Além do incentivo familiar para o uso da língua portuguesa, Costa David também ressalva a importância do facto do aluno ter, já por si, interesse e curiosidade no português. E quando assim é, isso depois reflete-se positivamente não só no bom uso da língua, mas também no resultado final do HSC de língua portuguesa.
Costa David refere ainda que a cultura australiana também é um fator preponderante no interesse e manutenção de uma segunda língua: “A Austrália, e os australianos em geral, não valorizam a aprendizagem de outras línguas. O que é um posicionamento muito diferente do nosso em Portugal”. Costa David relembra até os tempos em que era jovem e durante as suas férias escolares passadas na praia, no Algarve, “moços e moças tentavam falar francês, inglês, alemão, espanhol. Aqui na Austrália a situação é muito diferente.”
Regressando ao tema dos HSC´s, Costa David responde à pergunta impossível de contornar neste ano de pandemia em que todos os professores do mundo tiveram necessariamente que se ajustar a um novo modelo híbrido de escola online e presencial:
Esta (a pandemia Covid 19) foi uma experiência de aventura! Vivi uma nova aventura que tive que enfrentar pois nunca tinha passado por esta situação. Mas com esse tal espírito de aventura que sempre me tem acompanhado ao longo da vida, eu fui positivo e ´havemos de conseguir, havemos de conseguir´ e, realmente, tem operado bem.
O professor de 77 anos diz que o segredo do sucesso das suas aulas online durante a pandemia teve essencialmente a ver com o facto de Costa David ter “diversificado e inventado novas maneiras de ensinar, criando estímulos e desafios para os alunos”. Estratégia que ele acredita que tem ajudado a que tudo corra bem.
Numa nota inspiradora, e respondendo à pergunta se ainda se sente “aquele alentejano de Beja de há tantos anos atrás”, Costa David confessa que não. O professor acrescenta, contudo, que ainda sente saudades do seu Alentejo e que volta a Beja sempre que pode. Mas, hoje, e depois de tanta viagem, acesso a tantas línguas diferentes e convivência com pessoas de nacionalidades tão diversas, considera-se um “cidadão do mundo, sendo a sua pátria o planeta Terra”.
Já o espírito de engenheiro mantém-se e, numa tentativa de modernizar e facilitar mais a comunicação com a escola portuguesa de Petersham/Marrickville onde Costa David leciona atualmente, o professor divulgou em primeira mão à SBS em Português o link para o novo website desta escola que celebrará em 2022 os seus 50 anos de existência e atividade - . O website, já na fase final da sua construção, estará à disposição de todas as famílias que desejem inscrever os seus filhos na aprendizagem da língua portuguesa muito em breve.