A morte de Maria Velho da Costa, aclamada renovadora da escrita em língua portuguesa

A escrita que Maria Velho da Costa nos deixa é uma intensa festa literária, sempre com elegância e finura, para além de máxima mestria na escolha das palavras.

A escrita que Maria Velho da Costa nos deixa é uma intensa festa literária, sempre com elegância e finura, para além de máxima mestria na escolha das palavras. Source: Reprodução RTP

Comparada a Proust e Virginia Wolf, a obra da romancista, morta aos 81 anos, cruza o poético e o social.


Maria Velho da Costa, agora falecida, à beira dos 82 anos, foi uma das principais renovadoras da prosa portuguesa no século XX.

Escreveu contos, escreveu teatro, mas sobretudo romances. Casas Pardas (1977) e Maina Mendes (1969) são romances marcantes da literatura do século XX em língua portuguesa. Casas Pardas é exemplar sobre a capacidade de Maria Velho da Costa para desconstruir o romance tradicional sem, contudo, abdicar dos seus processos.
Este Casas Pardas é reconhecidamente um dos mais originais romances portugueses contemporâneos – uma obra de arte refundadora da escrita portuguesa, analisou a professora Yvette Centeno que comparou esta arte de Maria Velho da Costa com a de Proust ou Virginia Wolf, numa aventura que cruza o poético e o social. 

Quando o Prémio Camões, cimeiro na literatura lusófona, foi atribuido a Maria Velho da Costa, em 2002, o júri destacou a “inovação no domínio da construção romanesca, no experimentalismo sobre a linguagem e na interrogação do poder fundador da fala”, e realçou também as “vozes inovadoras e rebeldes” das personagens femininas da autora, bem como “o constante diálogo” que os seus diferentes registos de escrita “estabelecem com as grandes obras da literatura ocidental, e particularmente com as culturas de língua portuguesa”.

Maria Velho da Costa tinha uma enorme admiração pela obra de Luís de Camões, que considerava génio cimeiro da escrita portuguesa, a par do brasileiro João Guimarães Rosa. Neste escritor brasileiro, admirava em primeiro lugar o modo como a dimensão narrativa se exerce a partir de um trabalho linguístico e de uma dimensão filosófica, sem que estas dimensões – a narrativa, a linguística e a do conhecimento – entrem em conflito ou se eliminem umas às outras.

Um dos pontos incontornáveis do currículo de Maria Velho da Costa foi também o notável Novas Cartas Portuguesas, escrito a seis mãos com Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Hortae publicado em 1972. Nessas Novas Cartas que as três Marias escreveram anonimamente, diversas vozes falam da condição da mulher, da sua submissão à ordem patriarcal e burguesa, de violência doméstica e de género, de aborto, violação, incesto, pobreza, censura, e de expressão sexual feminina.
É um libelo contra todas as formas de opressão, escrito ainda no regime de ditadura, então com Marcelo Caetano sucessor de Salazar.Num tom mordaz, o livro coloca a nu a ideologia vigente no período anterior ao da revolução democrática de 25 de Abril de 1974.

No final dos anos 70, Maria Velho da Costa lançou Da Rosa Fixa e Corpo Verde, dois livros que estão mais próximos da poesia do que da prosa. Na década seguinte, surgiram os romances Lúcialima (1983), Prémio D. Diniz, publicado originalmente com uma capa expressamente concebida pela artista Paula Rego para a escritora, e Missa in Albis (1989).​

Nascida em Lisboa, em 1938, Maria Velho da Costa faria 82 anos no próximo dia 26 de Junho. Licenciada em Filologia Germânica pela Universidade de Lisboa, tinha também o Curso de Grupo-Análise da Sociedade Portuguesa de Neurologia e Psiquiatria, foi professora no ensino secundário, foi leitora do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros do King's College, em Londres, entre 1980 e 1987, e adida cultural em Cabo Verde, de 1988 a 1991 .

A escrita que Maria Velho da Costa nos deixa é uma intensa festa literária, sempre com elegância e finura, para além de máxima mestria na escolha das palavras.


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