Aos 33 anos, a analista fiscal Cíntia Araújo raspou suas economias, deixou São Paulo e aterrissou em Sydney para estudar, trabalhar e viver uma nova fase da vida.
Quando Cintia planejou e pagou pela viagem, o assunto coronavírus não existia. Ela embarcou no avião no início de março com um mundo tentando entender o que estava acontecendo. Duas semanas depois, o baque."Cheguei e fui logo fazer o meu RSA, o certificado necessário para trabalhar onde se serve bebida alcoólica. Eu crente que iria conseguir um emprego logo... e veio a pandemia, uma ou duas semanas depois o lockdown, e não tinha o que fazer. Aula online, eu vim como estudante, não conseguia emprego. Eu não tinha conseguido trabalho e não tinha dinheiro suficiente pra me sustentar, ficar só em casa pagando aluguel e gastando. Sydney é uma cidade muito cara".
Cintia Araújo: "Hoje estou feliz, animada. Vou repassar pra frente a ajuda que me deram". Source: Supplied
"A gente traz o dinheiro que consegue trazer do Brasil, o que você consegue juntar depois de pagar os seguros, a escola, pelo menos duas semanas de acomodação. O meu dinheiro começou a acabar entrando no segundo mês. Cheguei no começo de março, e no fim de abril eu estava com quase sem nada."
Sozinha, recém-chegada num país no qual praticamente não conhecia ninguém, Cintia procurou ajuda na Internet. E encontrou o Help Line.
"Eu vi através do grupo Brasileiros em Sydney (Facebook). E aí eu vi o Help Line e foi uma luz, muita gente solidária, generosa, que 'as vezes não está na mesma situação que a gente, que chegou há mais tempo, que já tem alguma reserva. Um casal doou marmitas pra eu não ficar sem comer. Outra moça doou roupa de frio, porque eu não vim preparada. E vejo isso todo dia, gente doando lençois, cesta básica. Gente oferecendo acomodação pra gente que tinha que voltar pro Brasil mas tinham que aguardar o dia do voo. Eu agradeço muito a existência do Help Line."
A designer curitibana Fernanda Pauline Rossi, de 33 anos, vive em Sydney e é uma dos precursoras do Help Line. Montado no fim de março, com o início do confinamento, foi um plano de brasileiros em diferentes cidades da Austrália ao notarem que o impacto entre estudantes seria forte.
"O Help Line começou em 23 de março. O idealizador do projeto é o David Mirabella, que mora em Brisbane. Eu fui a primeira pessoa que ele contatou. Desenhamos um projeto com começo, meio e fim. E aí a gente desenhou um projeto, criamos um grupo com alguns empresários, pessoas de maior influência na Austrália, e começamos a pensar o que podemos fazer. Então o primeiro estágio seria ajudar com auxílio de necessidade, de comida, pensou em ajudar com cestas básicas e o gift card. O segundo estágio do projeto era o apoio psicológico. Na verdade a gente viu que no primeiro estágio as pessoas já precisavam de apoio psicológico, então o segundo estágio já veio misturado com o primeiro. E o terceiro estágio, mais pro futuro, com a ajuda dos grandes empresários, que seria a recolocação das pessoas no mercado de trabalho. Este é o objetivo do Helpline desde o começo, 23 de março. "
Aberto o espaço, a demanda por ajuda cresceu rapidamente. Fernanda Rossi organiza o Help Line de Sydney:
"No começo, achei que seria mais uma ajuda de mercado, uma cesta básica, mas foram aparecendo todos os tipos de ajuda. 'Eu preciso de uma bicicleta', 'eu preciso de um capacete', 'eu preciso de um cobertor'. Todos os tipos imaginados. O grupo existe, e apesar das pessoas terem confiança no grupo, elas se sentem envergonhadas em mandar mensagem pra todo mundo ver. Então elas me procuram no inbox e acabo recebendo mais de 100 mensagens por dia. Meu nível de participação é praticamente 24 horas, da hora que acordo até a hora que durmo. Como sou designer, tento sempre trabalhar de uma forma que eu consiga trabalhar com imagens, um apoio com frases, por um lado emocional. 'As vezes posto uma frase motivacional. Estou sempre online, estou sempre olhando aqui, olhando ali, acaba que estou sempre participando. As necessidades surgem e são imediatas."Embora o governo da Austrália esteja diminuindo aos poucos as restrições, a realidade é diferente em cada região. A paulistana Janaína Arruda, de 38 anos, vive na Austrália há dois anos e cuida do Help Line em Gold Coast. Ela vê dificuldades maiores na costa de Queensland.
Janaína Arruda, do Help Line em Gold Coast: a região deve demorar mais para se recuperar, e os brasileiros precisam de muita ajuda. Source: Supplied
"De todos os atendimentos de Gold Coast, eu diria que 80% ainda está na mesma situação, sem trabalho ou com pouquíssimas horas (de trabalho). Gold Coast é uma região de praias, a maioria dos trabalhos é no turismo, e esses trabalhos ainda não voltaram. Talvez agora na parte 2 do relaxamento do lockdown as coisas voltem ainda a funcionar, que as pessoas consigam novas oportunidades. A verdade é que a gente ainda está vivendo isso. Muitas dessas pessoas nunca passaram por isso na vida. Diferente de nosso país, o Brasil, lá temos os nossos familiares, amigos. Passar por esses momentos difíceis sem apoio é realmente mais difícil. Queria até aproveitar o momento para pedir para nossa comunidade brasileira que nos ajude a passar por esse momento. Tenho certeza que logo, logo o Helpline vai ficar na lembrança de uma coisa boa que aconteceu."
Ajudar quem precisa traz recompensas para a alma. Fernanda Rossi está vivendo belas histórias ao ajudar a comunidade em Sydney.
"Hoje aconteceu uma história legal, fui levar uma cesta básica pra uma pessoa, que mandou mensagem dizendo que precisava de alimentação. Chegando lá, essa pessoa é uma artista, ela fez um colar pra mim como retribuição, e me deu um abraço muito emocionado. Quando você acaba ajudando, você mais ganha do que quem é ajudado, sabe? São histórias lindas."
A reportagem também conversou com o paulistano Kalel Sousa, de 26 anos, que vive em Sydney e trabalha como entregador de comida. Num dia de chuva intensa em abril, ele caiu de moto e fraturou o cotovelo direito. Resultado: seis semanas de recuperação. Segundo Kalel, sua reserva financeira estava no fim, mas no Help Line ele encontrou, além de amparo, um fisioterapeuta e acupunturista que o tratou até que estivesse apto a voltar a trabalhar. Semanas depois, ele conseguiu ajudar outra pessoa em necessidade com um voucher de 50 dólares.
Depois do sufoco, Cintia Araújo conseguiu um emprego e vai tocando a vida. Mas não vai esquecer a ajuda que teve do Help Line de Sydney.
"O Helpline também me ajudou com voucher de supermercado, pra eu não passar fome. Eu agradeço mesmo as pessoas por existirem e quererem ajudar o próximo. Nem sempre você está na melhor situação. Agora as coisas estão melhorando, sinto que as coisas vão melhorar. Acabei de conseguir um emprego. Estou feliz e animada, e espero que estando numa situação melhor e que possa retribuir toda ajuda que me deram. Falei para uma pessoa que ajudou, olha, assim que tiver meu primeiro pagamento, eu vou te transferir de volta os 50 dólares que você mandou pra fazer mercado. E a pessoa respondeu, olha, quando você se encontrar numa situação melhor, sempre vai ter uma pessoa precisando de ajuda. Repassa pra frente isso. E é isso que vou fazer."
Estes são os links do Help Line disponíveis no Facebook:
Brisbane:
Sydney:
Gold Coast:
Perth:
Sunshine Coast:
Adelaide:
Byron Bay:
Cairns:
Melbourne:
Tasmania:
Canberra
As pessoas na Austrália devem ficar pelo menos a um metro e meio de distância dos outros. Confira os limites no seu estado ou território para o número máximo de pessoas em encontros e reuniões.
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