José Eduardo dos Santos, ex-presidente de Angola: caos político no funeral e despedida

José Eduardo dos Santos, Angola

O ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos faleceu no dia 8 de julho aos 79 anos em Barcelona, Espanha. Ele serviu como chefe de Estado de 1979 a 2017 Source: LUSA

Foi por 20 anos um homem de guerra (a guerra civil que teve um milhão de mortos), depois, ao longo de 18 anos, tentou ser homem de paz. Foi sempre, ele como a família, muito amigo do dinheiro e muito inimigo da dissidência. Presidiu a um país com vida em pobreza extrema, apesar dos grandes recursos naturais, e em que a familia dele se tornou das mais ricas de África. A corrupção tornou-se natural nessas anteriores quatro décadas de Angola.


José Eduardo dos Santos, “Zedu” como ficou conhecido em Angola nos 38 anos em que foi presidente da República, controverso até na hora da morte.

O Governo angolano está a preparar as exéquias fúnebres para o ex-presidente que morreu na sexta-feira numa clínica de Barcelona (na sequência de um acidente vascular que se somou a cancro avançado), e até já criou uma comissão composta por 11 ministros e a governadora de Luanda para organizar a cerimónia

Mas Tchizé uma das filhas – um dos 10 filhos das várias relações conhecidas – recusa que o corpo do pai vá para Angola e está a recorrer à justiça espanhola para impedir que o corpo seja trasladado.

Tchizé , tal como uma das irmãs, Isabel (que foi reconhecida como a mulher mais rica de África) são perseguidas pelo Estado angolano, sob acusação de vários crimes financeiros.

É por isso que Tchizé está a tentar impedir cerimónias fúnebres em Angola. Quer evitar que o funeral de Estado organizado para Eduardo dos Santos possa ser uma jornada de popularidade para o atual presidente, que tem eleições daqui a um mês.

Mas as autoridades angolanas estão a tentar que haja mesmo funeral na próxima semana na capital de Angola.

O MNE angolano está em Barcelona, para negociar a trasladação do corpo.

O PGR angolano também está na Catalunha, presume-se que para dar garantias às filhas de que poderão participar no funeral em Luanda sem risco de ficarem detidas.

O ex-Presidente angolano teve dez filhos conhecidos de seis mulheres diferentes, a maioria das relações não oficializada. Os dois mais velhos, que enveredaram pelo mundo dos negócios, trouxeram-lhe preocupações acrescidas, quando se viram a contas com a justiça. Entre os filhos mais novos, predominam sensibilidades artísticas. O sexto filho foi notícia em todo o mundo quando licitou um relógio por uma fortuna.

Uma das filhas, Isabel, a mais velha e mais poderosa, chegou a ser considerada a mulher mais rica de África e a integrar, durante largos anos, a lista das maiores fortunas da revista “Forbes”, que em 2014 avaliava o seu património em 3,4 mil milhões de dólares americanos. A fortuna de Isabel dos Santos, construída durante os mandatos presidenciais do pai, viria a deslizar nos anos seguintes. Hoje, ela vive num exílio dourado no Dubai, onde perdeu o marido num mergulho.

A família Dos Santos, em Angola, tornou-se milionária através do poder político que lhe deu acesso à fortuna dos poços de petróleo e dos diamantes.

José Eduardo dos Santos, originário de família pobre, o pai era pedreiro e a mãe doméstica, licenciou-se em Engenharia de petróleos no Azerbaijão, na Universidade de Bacu, com uma bolsa da União Soviética. Ganhou o estatuto de quadro qualificado, teve apoio político e chegou a líder por exclusão de outros.

Quando, na sequência de 13 anos de guerra colonial e da revolução democrática de 25 de abril de 74 em Portugal, Angola se tornou independente, em 11 de Novembro de 1975, angola tinha um líder natural: o médico, poeta e líder da luta anticolonial Agostinho Neto. Foi o primeiro presidente da República Popular de Angola e escolheu José Eduardo dos Santos para Ministro dos Estrangeiros.

A presidência Neto, em total alinhamento com o então governo soviético, ficou marcada por grande repressão dos adversários. Houve muita prisão, muita tortura e muita morte.

Mas a doença apenas consentiu a Agostinho Neto 4 anos de presidência. Morreu em Moscovo e teve funeral de Estado em Luanda.

Eduardo dos Santos foi o designado pelo partido dominante, o MPLA, para lhe suceder. Foi presidente por 38 anos.

Nos primeiros tempos de presidência tentou reparar as feridas do mandato repressivo de Agostinho Neto.

Mas logo a seguir alastrou a guerra civil que durou duas décadas.

A visita de Eduardo dos Santos à Alemanha de Leste, em 1981, consolidou a ideia de Angola alinhada com os países comunistas, com apoio soviético e cubano contra a UNITA, de Savimbi, financiada por norte-americanos e sul-africanos e com mercenários sul-africanos.

Em 2001, 26 anos depois da independência, José Eduardo dos Santos, num gigantesco comício num estádio de Luanda, perguntou à multidão se queria levar a guerra até ao fim ou se preferia a paz negociada. Menos de um ano depois, Jonas Savimbi foi morto após vários dias de perseguição e o corpo apresentado pelas tropas angolanas.

José Eduardo dos Santos reclamou a vitória na guerra.

A década que se seguiu foi de reconstrução económica do país, começando pelo sistema financeiro, passando pelas infraestruturas e pela imagem externa de Angola.

A classe média angolana cresceu, mas as desigualdades persistem e os protestos sociais multiplicaram-se, quase sempre, reprimidos pela polícia.

Durante mais de trinta anos, José Eduardo dos Santos foi presidente de Angola sem nunca ser eleito. Em 2012, as eleições gerais que o MPLA venceu nas urnas com 74% dos votos levaram à eleição indireta do presidente.

A crise seguinte foi desencadeada pela descida do preço do petróleo. Foi a crise definitiva para José Eduardo dos Santos. As vozes críticas que denunciavam a corrupção de estado e alguma oligarquia ligada ao presidente e à família ganharam força e acabaram por determinar a sucessão para João Lourenço.

Chefe de Estado durante 38 anos, ainda hoje um dos que mais tempo ficaram no poder no continente africano, Eduardo dos Santos foi gerindo o seu silêncio desde que deixou a presidência, mesmo quando os seus filhos se viam a braços com a Justiça, eram afastados dos negócios ou dos círculos do poder, naquilo que muitos viram como perseguições políticas do atual Presidente.

E que explicam a atual controvérsia sobre o funeral do ex-presidente.

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