José Eduardo dos Santos, “Zedu” como ficou conhecido em Angola nos 38 anos em que foi presidente da República, controverso até na hora da morte.
O Governo angolano está a preparar as exéquias fúnebres para o ex-presidente que morreu na sexta-feira numa clínica de Barcelona (na sequência de um acidente vascular que se somou a cancro avançado), e até já criou uma comissão composta por 11 ministros e a governadora de Luanda para organizar a cerimónia
Mas Tchizé uma das filhas – um dos 10 filhos das várias relações conhecidas – recusa que o corpo do pai vá para Angola e está a recorrer à justiça espanhola para impedir que o corpo seja trasladado.
Tchizé , tal como uma das irmãs, Isabel (que foi reconhecida como a mulher mais rica de África) são perseguidas pelo Estado angolano, sob acusação de vários crimes financeiros.
É por isso que Tchizé está a tentar impedir cerimónias fúnebres em Angola. Quer evitar que o funeral de Estado organizado para Eduardo dos Santos possa ser uma jornada de popularidade para o atual presidente, que tem eleições daqui a um mês.
Mas as autoridades angolanas estão a tentar que haja mesmo funeral na próxima semana na capital de Angola.
O MNE angolano está em Barcelona, para negociar a trasladação do corpo.
O PGR angolano também está na Catalunha, presume-se que para dar garantias às filhas de que poderão participar no funeral em Luanda sem risco de ficarem detidas.
O ex-Presidente angolano teve dez filhos conhecidos de seis mulheres diferentes, a maioria das relações não oficializada. Os dois mais velhos, que enveredaram pelo mundo dos negócios, trouxeram-lhe preocupações acrescidas, quando se viram a contas com a justiça. Entre os filhos mais novos, predominam sensibilidades artísticas. O sexto filho foi notícia em todo o mundo quando licitou um relógio por uma fortuna.
Uma das filhas, Isabel, a mais velha e mais poderosa, chegou a ser considerada a mulher mais rica de África e a integrar, durante largos anos, a lista das maiores fortunas da revista “Forbes”, que em 2014 avaliava o seu património em 3,4 mil milhões de dólares americanos. A fortuna de Isabel dos Santos, construída durante os mandatos presidenciais do pai, viria a deslizar nos anos seguintes. Hoje, ela vive num exílio dourado no Dubai, onde perdeu o marido num mergulho.
A família Dos Santos, em Angola, tornou-se milionária através do poder político que lhe deu acesso à fortuna dos poços de petróleo e dos diamantes.
José Eduardo dos Santos, originário de família pobre, o pai era pedreiro e a mãe doméstica, licenciou-se em Engenharia de petróleos no Azerbaijão, na Universidade de Bacu, com uma bolsa da União Soviética. Ganhou o estatuto de quadro qualificado, teve apoio político e chegou a líder por exclusão de outros.
Quando, na sequência de 13 anos de guerra colonial e da revolução democrática de 25 de abril de 74 em Portugal, Angola se tornou independente, em 11 de Novembro de 1975, angola tinha um líder natural: o médico, poeta e líder da luta anticolonial Agostinho Neto. Foi o primeiro presidente da República Popular de Angola e escolheu José Eduardo dos Santos para Ministro dos Estrangeiros.
A presidência Neto, em total alinhamento com o então governo soviético, ficou marcada por grande repressão dos adversários. Houve muita prisão, muita tortura e muita morte.
Mas a doença apenas consentiu a Agostinho Neto 4 anos de presidência. Morreu em Moscovo e teve funeral de Estado em Luanda.
Eduardo dos Santos foi o designado pelo partido dominante, o MPLA, para lhe suceder. Foi presidente por 38 anos.
Nos primeiros tempos de presidência tentou reparar as feridas do mandato repressivo de Agostinho Neto.
Mas logo a seguir alastrou a guerra civil que durou duas décadas.
A visita de Eduardo dos Santos à Alemanha de Leste, em 1981, consolidou a ideia de Angola alinhada com os países comunistas, com apoio soviético e cubano contra a UNITA, de Savimbi, financiada por norte-americanos e sul-africanos e com mercenários sul-africanos.
Em 2001, 26 anos depois da independência, José Eduardo dos Santos, num gigantesco comício num estádio de Luanda, perguntou à multidão se queria levar a guerra até ao fim ou se preferia a paz negociada. Menos de um ano depois, Jonas Savimbi foi morto após vários dias de perseguição e o corpo apresentado pelas tropas angolanas.
José Eduardo dos Santos reclamou a vitória na guerra.
A década que se seguiu foi de reconstrução económica do país, começando pelo sistema financeiro, passando pelas infraestruturas e pela imagem externa de Angola.
A classe média angolana cresceu, mas as desigualdades persistem e os protestos sociais multiplicaram-se, quase sempre, reprimidos pela polícia.
Durante mais de trinta anos, José Eduardo dos Santos foi presidente de Angola sem nunca ser eleito. Em 2012, as eleições gerais que o MPLA venceu nas urnas com 74% dos votos levaram à eleição indireta do presidente.
A crise seguinte foi desencadeada pela descida do preço do petróleo. Foi a crise definitiva para José Eduardo dos Santos. As vozes críticas que denunciavam a corrupção de estado e alguma oligarquia ligada ao presidente e à família ganharam força e acabaram por determinar a sucessão para João Lourenço.
Chefe de Estado durante 38 anos, ainda hoje um dos que mais tempo ficaram no poder no continente africano, Eduardo dos Santos foi gerindo o seu silêncio desde que deixou a presidência, mesmo quando os seus filhos se viam a braços com a Justiça, eram afastados dos negócios ou dos círculos do poder, naquilo que muitos viram como perseguições políticas do atual Presidente.
E que explicam a atual controvérsia sobre o funeral do ex-presidente.
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