É um prodigioso tempo – são uns 30 anos, na viragem do século 15 para o 16.
Leonardo da Vinci, entre Florença, Milão e Roma, avançou na exploração das raízes do conhecimento interdisciplinar – exemplo de homem moderno, ao mesmo tempo que fervilhava este gosto de ampliar de conhecimentos – e de ousar experimentar mais na criação artística.
Também é o tempo de Michelangelo, de Ticiano, de Boticelli, de Rafael, de Hieronimus Bosch.
Simultaneamente, fazia-se ao mar o encontro (que veio a ter complexidades e abusos) com outros povos – e descoberta de outras geografias.
…em 1492 - Cristóvão Colombo ligou a Europa à América do Norte.
…em 1498 – Vasco da Gama instalou a rota do Cabo da Boa Esperança e chegou a Calecute, na Índia.
…21 anos depois – em 20 de setembro de 1519, uma frota com 5 naus e 239 homens a bordo, comandada por um português valente e visionário, Fernão de Magalhães, zarpou de Sevilha, desceu o Guadalquivir até à costa e aí em San Lúcar de Barrameda, partiu em expedição marítima que teve como objetivo anunciado chegar às ilhas Molucas da Indonésia - as mais afamadas produtoras de especiarias, tomar conta desse comércio e pô-lo ao serviço de Carlos V, rei que imperava em Espanha e na Alemanha.Naquelas ilhas das especiarias era produzida a pimenta, a canela e o gengibre, que na Idade Média tinham na Europa preço astronómico.
Illustration of the crew of Ferdinand de Magellan swearing their allegiance to him on a cross following an unsuccesful mutiny Source: Stefano Bianchetti Corbis via Getty Images
A bordo da nau do almirante Fernão de Magalhães seguiu Antonio Pigafetta, um homem de Veneza que registou num diário a crónica da expedição que se prolongou por 3 anos e um mês.
Este diário foi citado por Gabriel Garcia Marquez no discurso Nobel em Estocolmo – falou de livro fascinante – crónica detalhada daquela odisseia.
É Pigafetta quem nos conta como o comandante Fernão de Magalhães foi morto numa emboscada em Mactan, numa ilha perdida das Filipinas.
O basco Sebastian del Cano tomou o comando da expedição que, no regresso a Sevilha, estava dizimada: apenas uma das 5 naus – apenas 18 dos 239 homens que 3 anos antes tinham iniciado a odisseia que definiu os limites reais do nosso planeta.
Magalhães e Elcano comandaram a primeira viagem de circunavegação,
Um dos 18 pioneiros nessa viagem que comprovou que a terra é redonda é o cronista Pigafetta que relata a épica, as traições os motins, os sofrimentos, os naufrágios e também a audácia e a solidariedade entre aqueles marinheiros.
Esta crónica de Pigafetta viria a ser fonte principal para o livro (editado em português) que o austríaco Stefan Zweig dedica à grande façanha de Magalhães. O livro, com 320 páginas, está editado pela Assírio e Alvim – tem em título Magalhães, o Homem e o seu Feito.
Todo este material é usado plo dramaturgo e encenador andaluz Alfonso Zurro para contar em versão teatral a primeira viagem de circunavegação na história da humanidade.
Zurro escolheu outros 7 dramaturgos também andaluzes e cada um teve o encargo de construir - em ao todo 16 etapas - a representação teatral da expedição iniciada em 20 de setembro de 1519 e concluída em 8 de setembro de 1522.
A Companhia de Teatro Clássico de Sevilha estreou em maio esta Odisseia de Magalhães e Elcano.
Casa cheia.
O texto está editado em livro de Stefen Zweig, que escreveu sobre a viagem de Magalhães e Elcano, que foi a talvez mais terrível e mais cheia de privações, viagem marítima registada na eterna crónica da dor humana e da capacidade humana de sofrimento.
O texto dramatúrgico agora estreado em Sevilha também nos mostra como é irrelevante discutir sobre o país, Portugal ou Espanha, que pode reivindicar esta façanha.
Foi um português que Portugal não quis mais um basco, e ambos ao serviço do rei de Castela.
Tudo junto deu conhecimento ao mundo, naqueles prodigiosos anos de renascimento, na viragem do século 15 para o 16, que a Terra era redonda.