Uma brasileira na liderança de pesquisa contra o câncer na Austrália

Vivian Kahl

Sugestão de Vivian Kahl aos estudantes que sonham em fazer ciência: criar uma rede de contatos, não ter medo de trocar ideias e estar disposto a aprender. Source: Vivian Kahl, arquivo pessoal

Vivian Kahl foi a cabeça de uma equipe no desenvolvimento de nova técnica que ajuda no diagnóstico e pesquisa da doença


As universidades e centros de pesquisa australianos estão sempre na mira de estudantes brasileiros que sonham alto nas ciências. Foi o caso da bióloga Vivian Kahl, gaúcha de Porto Alegre.

Depois de um congresso de biologia molecular em 2013, ela manteve contato com um laboratório do Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation, em Adelaide. Por lá, conseguiu desenvolver de seu doutorado-sanduíche, o que lhe abriu as portas de se tornar uma cientista do Children's Medical Research Institute, em Sydney, na equipe da renomada professora Hilda Pickett.

Nesta semana, após dois anos de pesquisa, Vivian Kahl publicou um artigo de pós-doutorado em biologia molecular, no qual liderou uma equipe no desenvolvimento de uma nova técnica que ajuda no diagnóstico e pesquisa sobre o câncer.
Nesta entrevista, ela fala sobre o artigo e as diferenças entre fazer ciência no Brasil e na Austrália. Vivian Kahl também dá suas sugestões aos estudantes que sonham em fazer carreira na pesquisa científica.

SBS. Primeiramente, quem é a Vivian, de onde ela vem do Brasil, quanto tempo você tem de Austrália? Gostaria que você contextualizasse sua carreira aqui. 

VIVIAN KAHL. Meu nome é Vivian Kahl, sou bióloga de formação pela Universidade Luterana do Brasil. Sou de Porto Alegre (RS). Depois da minha graduação, eu fiz mestrado e doutorado, quando fui bolsista da Capes. E no último ano do meu doutorado, eu apliquei para bolsa-sanduíche da Capes, onde alunos com boa oportunidade de carreira científica, recebem uma bolsa para ir para fora do país e fazer uma parte do doutorado fora.
Eu selecionei a Austrália pois minha supervisora já tinha uma colaboração com um pesquisador em Adelaide, Dr. Michael Fenech. Fiquei no laboratório por seis meses, praticamente todo o meu doutorado terminei por lá. Antes de voltar ao Brasil, fiquei muito apaixonada pela Austrália, já tinha vindo uma vez em 2014, também ao laboratório do Dr. Fenech em um treiname mais curto. Aí pensei que não custaria nada mandar mais alguns emails, e o fiz para minha atual chefe (professora Hilda Pickett), sabia que ela era da área que eu queria atuar. O laboratório é aqui em Sydney, o Children Medical Research Institute (CRMI). E ela me chamou pra vir a Sydney para uma entrevista, e saí da entrevista com meu contrato assinado para virar cientista no CMRI.

SBS. E você publicou agora uma pesquisa, o desafio é a gente transmitir ao público leigo. Estou vendo aqui que o estudo trata-se de medir o comprimento de telômeros a partir de "pentear moléculas". Explica isso pra gente e qual a importância dentro do combate ao câncer.

VIVIAN KAHL. Esse "combing" é de "pente" mesmo. Por quê? Este é um procedimento que a gente estica o DNA humano em formas de fibras. Fibras de DNA esticadas e aí a gente consegue analisar os telômeros de forma bem precisa. Fica parecendo como se fosse um pente mesmo.

E o que são os telômeros: são estruturas em todo DNA em todos os eucariotos, todos animais cujo núcleo é protegido por uma membrana, e isso inclui os humanos. E eles têm um papel fundamental. Inicialmente se acreditava que esse papel era apenas relacionado com envelhecimento. Isso porque os telômeros ficam bem na pontinha dos nossos cromossomos, e por uma característica particular de nosso DNA, cada vez que nossas células dividem, a gente perde um pedacinho desses telômeros. Isso é natural e um dos motivos pelos quais a gente envelhece, inclusive. Não é o único motivo, mas é um dos. Com o tempo, a gente começou a descobrir que os telômeros são relacionados com outras atividades celulares. E, mais importante, se descobriu que eles exercem um papel no desenvolvimento, ou ao menos no desencadeamento de câncer.
Vivian Kahl
Vivian Kahl Source: Vivian Kahl, arquivo pessoal
Por quê? Quando essa diminuição ocorre de forma desbalanceada, ou por algum evento ambiental ou por exposição que a gente tenha, ou defeito de nossas células, a gente entra num processo de crise celular. Quando ela entra em crise, ela tem dois caminhos. Ou ela morre, que é o que a gente espera, ou essas células, em situações raras, vao superar a crise. Quando ela sair desse processo de crise, ela sai com esse telômero mais curto, mas completamente instável. Esse é o ambiente propício pra que se desenvolva câncer. E aí a célula cancerígena reativa uma enzina chamada telomerase, que é praticamente nula no adulto. Quando ela é reativada, como no caso do câncer, ela não permite que o telômero diminua até o ponto de realmente morrer. Então o telômero continua sempre crescendo um pouquinho, de forma que não fique longo, mas sempre instável, sempre adicionando uma nova porçãozinha de telômero no final de nosso cromossomo.
Tudo isso para explicar que esse artigo que a gente publicou é um método desenvolvido por dois anos que mede o tamanho dos telômeros de uma forma bastante absoluta. A importância disso é conseguir com que esse método seja aplicado na clínica ou na pesquisa de forma mais ampla. Ele vai facilitar pra que se consiga fazer diagnósticos mais precoces de câncer. A outra oportunidade que esse método pode nos dar é que, em pessoas que já tenham câncer, entender a biologia do telômero, a começar a desenvolver tratamentos que sejam mais específicos. Então, a longo prazo, o que a gente pode esperar é que métodos semelhantes sejam usados na chamada medicina personalizada.

SBS. Como você avalia fazer ciência na Austrália? Queria que você falasse também nas diferenças de estudo em relação ao Brasil.

VIVIAN KAHL. No Brasil, falo especificamente por mim. Sou formada em Ciências Biológicas. Uma coisa que percebo é que no Brasil estudamos as coisas de forma muito compartimentalizada. É como se as coisas ficassem muito isoladas. Estou falando de um campo muito específico, que é a biologia molecular. Na Austrália, a forma de se estudar esses processos biológicos é bem menos compartimentalizado. Tenho a impressão que aqui eles fazem um "zoom out" e depois um "zoom in", e a gente faz o oposto. A gente começa do "zoom in" e vai pro "zoom out". Isso dificulta muito o entendimento de que um estrutura tão pequena como o DNA pode fazer uma diferença tão grande em um ser humano. E aqui as disciplinas são todas unidas. Como eles enxergam a ciência como um todo, as pesquisas são focadas na parte de pesquisa básica, que é o que eu faço, mas sempre focado em pesquisas básicas que a longo prazo eles vão conseguir transmitir para a aplicação médica.

SBS. Vivian, para encerrar, o que poderia dizer ao estudante de Biologia que sonha em estudar na Austrália. O que você recomendaria?
VIVIAN KAHL. A coisa que mais recomendo é não ter vergonha de conversar com outras pessoas. Participe de congressos. Essa situação que a gente está vivendo com o Covid-19 é uma situação que a gente não gostaria de passar, mas o que está acontecendo na área da ciência, como congressos e seminários, isso tudo está acontecendo agora online. E, na maioria das vezes, gratuitamente. Então procure assistir a coisas online, a entrar em contato com as pessoas. E sempre que tiver a oportunidade, e sempre que não tenha, a procure. Criar uma rede de contatos. Eu vim parar na Austrália porque em 2013 eu fui a um congresso, o Dr. Michal Fenech estava lá, falei que gostaria de fazer um período de estágio no laboratório dele, ele disse que também gostaria de me receber, trocamos emails por alguns meses, e aí eu vim pela primeira vez em 2014, depois de novo em 2017. Então acho que a coisa mais importante é a rede de contatos, conversar com todo mundo e estar disposto a aprender, a enfrentar a situação. Rede de contatos e vontade de ir pra frente, aprender, coragem pra sair da zona de conforto.

As pessoas na Austrália devem ficar pelo menos a um metro e meio de distância dos outros. Confira os limites no seu estado ou território para o número máximo de pessoas em encontros e reuniões.


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