SBS. Estamos em plena pandemia, a situação da Austrália, é claro, é bem melhor que na maioria dos países, mas, mesmo assim, as dificuldades econômicas são muito grandes. Nós estamos em linha agora, conversamos com Paula Mills, fundadora e CEO da sua própria empresa, uma escola de empreendedorismo para alunos internacionais em Sydney. Ela começou com os brasileiros, hoje ela está trabalhando com estudantes de mais de 50 países. É isso, Paula Mills?
Paula Mills. Certíssimo, como sempre. É uma honra estar de volta com vocês.
SBS. Paula, as coisas não estão fáceis. Quais são as maiores dificuldades que você está vendo com os jovens estudantes brasileiros?
Paula Mills. A maior dificuldade que vi, e inclusive falei com o governo da Colômbia sobre isso e consegui puxar estatística: a mentalidade do latino-americano e do brasileiro é de vir e montar uma pequena empresa. Eles montam muita empresa com o namorado, o esposo, e esquece de montar a fundação e inovar usando tecnologia. Então no Brasil uma padaria vai super bem, você pode pegar a padaria do seu avô, de gerações, que vai sobreviver. Aqui na Austrália não, a gente precisa usar o Instagram, fazer um site, ter SEO, e muitas latinas esqueceram de fazer isso. Quando veio a pandemia, eles não existiam no mercado online, e como a gente sabe, leva um tempo para a gente desenvolver o conhecimento do marketing digital e entregar resultados. Essa foi, sob o meu ponto de vista, a maior dificuldade para os latinos. Infelizmente não investiram tempo em montar presença online, que agora é tudo. É uma das ferramentas mais poderosas para a maioria das empresas.SBS. Muita pequena empresa quebrando, Paula?
Paula Mills: Muitos micro-empreendedores latino-americanos tiveram dificuldades na adaptação exigida para o negócio sobreviver na pandemia. Source: Supplied
Paula Mills. Eu pessoalmente não vi. Como estou sempre do lado de gente positiva, lutadora, eu não vi nenhuma quebrando. Provavelmente mais de 90% das empresas teve queda de lucro, isso é óbvio. Profit margin, que a gente chama, da maioria das empresas, foi muito afetado. Mas a gente sabe que o brasileiro não aceita um não, é lutador, consegue se movimentar e vai encontrando soluções. Eu pessoalmente não fiquei sabendo de nenhuma empresa que faliu, mas vi, por exemplo, pessoas que tinham aquele food truck, e de repente montaram um site e começaram a vender os mesmos produtos online. Eu vi muito disso, mudando a localização e a maneira como se relaciona com o cliente. Mas eu pessoalmente não cheguei a ver nenhuma empresa falindo não.
SBS. No momento o governo federal e os estaduais estão dando um grande apoio, inclusive o próprio programa do Jobkeeper está ajudando essas pequenas empresas. Tudo isso vai diminuir e acabar em algum momento. Até que ponto essa ajuda do governo está mascarando a situação?
Paula Mills. Essa ajuda foi incrível. A única coisa foi que, infelizmente, os estudantes internacionais não tiveram acesso. Permanentes ou quem já tinha a residência. Isso foi um grande desafio para muitos estudantes, porque se empresa contratava australiano, eles vão focar em australiano porque aí vão receber o dinheiro. Muitos brasileiros, latinos, empresários que ainda não tinham ganhado a cidadania tiveram que encontrar outras maneiras de sobreviver. Então esse foi um grande desafio. Foi incrível o que o governo da Austrália fez, muitos brasileiros e latinos que têm residência estão a fim. E todos nós estamos um milhão de vezes mais gratos pelo governo da Austrália agora, o respeito pelo plano estratégico e pelo suporte, foi incrível.
SBS. Um estudante brasileiro que tenha uma empresa registrada na Austrália, claro, não é residente permanente, ele não tem direito. Mas se ele emprega funcionários na sua empresa que são residentes permanentes ou australianos, esses têm direito ao Jobkeeper, não é?
Paula Mills. Exatamente. E até teve uma estudante nossa que ganhou a residência em abril, e o Jobkeeper e o Jobseeker começaram em março. E ela já tinha empresa registrada como PTY LCD, e ela ganhou não só o dinheiro de abril como o do mês anterior. O governo da Austrália está fazendo tudo para ajudar, mas só para australianos ou residentes internacionais no caminho para a cidadania.
SBS. Acompanhando aqui as ações da Austrália nessa pandemia do coronavírus, comparando com outros países, com Europa, e comparando com o Brasil, é muito impressionante a maneira como a Austrália reagiu.
Paula Mills. A calma… foi muito bonito. A calma, a clareza, eles falaram num tom de voz que a população conseguiu entender, não usaram palavras complicadas. Ouviram muito. Por exemplo, logo que anunciaram o Jobkeeper e o Jobseeker, os alunos internacionais ficaram super bravos, eles pagam impostos, isso contribui para a sociedade. A gente sabe que os alunos internacionais são os maiores contribuidores, é a segunda maior influência econômica da Austrália. E não deu nem uma semana eles abriram a possibilidade dos alunos internacionais que estavam na Austrália há mais de 12 meses puxarem 100% do dinheiro que tinham guardado no Superannuation (fundo de previdência). Então o governo está ouvindo tudo, eu falo com o governo diariamente, e todas as recomendações que eu dou, eles ouvem e estão implementando. É incrível a comunicação aberta que eles têm.
SBS. O que você listaria que o governo fez para os estudantes além do acesso ao Superannuation? Vejo muito estudante reclamando...
Paula Mills. Sim. 100% de alunos internacionais em Nova Gales do Sul têm acesso a 12 semanas de graça de acomodação sem apresentar nenhum documento. Eles não precisam nem apresentar que perderam o emprego, que estão em dificuldades financeiras. O governo fez uma parceria com o Food Bank, os alunos têm direito a cestas básicas, com comida semanal de graça, então tem muito suporte do governo da Austrália. E é incrível, porque quando inicialmente o primeiro-ministro avisou, eu vi quanto o brasileiro e o latino ficaram meio chateados com o governo. E o governo da Austrália, acho, é um dos governos que mais está dando suporte para estudantes internacionais no momento.
SBS. Eu tenho acompanhado grupos, são quase 3 mil estudantes brasileiros que ficaram presos no Brasil e que têm a vida aqui, gente com 9, 10 anos de Austrália, filhos na escola, casa montada. O problema é também dos próprios australianos que não estão conseguindo voltar, não é?
Paula Mills. O primeiro-ministro antes de ontem avisou que vai abrir mais voos para mais australianos voltarem. E do caso dos brasileiros, a gente tinha alguns brasileiros que tinham problemas de saúde, e eles perguntaram, a gente volta ou não volta, e a gente super recomendou. Ao mesmo tempo em que eles sentem saudades de morar na Austrália, eles estão com a família, com o amor dos avós, dos pais, das empregadas. Então é uma fase que todos nós tivemos que nos adaptar, e no final vai dar tudo certinho. Todos os nossos alunos que estão no exterior, que não são muitos, receberam email da Qantas há alguns meses falando que até 31 de julho do ano que vem eles não podem remarcar as passagens. Até ter alguma novidade do governo. Então não podem voltar para o país de jeito nenhum. independentemente da razão, a não ser que você tenha cidadania ou residência.SBS. Quais são as soluções que você tem visto desses pequenos empresários, o que eles estão fazendo para fazer frente a isso, com todas as restrições?
"Unindo as forças, a gente vai solucionar todos os problemas", diz Paula Mills. Source: Supplied
Paula Mills. A melhor coisa que as pessoas podem fazer é conectarem com seus clientes, conversar, perguntar o que gostariam, o que estão sentindo falta, o que se pode fazer por vocês? E a gente fala muito do modelo Design Thinking, é ter empatia com seu cliente, descobrir o que ele quer, e descobrir qual é o seu talento internamente, e inovar e mudar o produto de acordo com o que o cliente está buscando. Até escrevi um artigo sobre isso, as razões para se empreender durante uma crise, porque está todo mundo procurando novas empresas, serviços mais baratos, mais inovadores, então existe uma possibilidade de que todo mundo consegue sobreviver com sua empresa. Mas que ficou fazendo as mesmas coisas que fazia ano passado, sem chance de sobreviver. Nós todos tivemos que adaptar, e muito, e a primeira coisa é ouvir o cliente. Qual é o preço que você pode pagar? Qual é a tecnologia que você precisa? Como vou te encontrar, e como vou entregar o produto? É voltar pro tempo da caverna e usar a comunicação verbal para falar. E aí você vai montando seu produto em volta do que o cliente quer. Business é isso, não é você vendendo o que você quer, é você vendendo um serviço que encontra uma solução para o seu cliente e sua comunidade.
SBS. Fala-se muito de como a Austrália vai sair dessa crise. EUA, Brasil, Europa, os países praticamente abriram. Austrália e Nova Zelândia, até por serem ilhas, conseguem fechar, mas em algum momento terá que reabrir. Como você vê o futuro, como vai ficar a situação na Austrália?
Paula Mills. Esse tipo de informação o governo não está liberando para a gente, e a gente pergunta todos os dias. E eles internamente não sabem a solução. Provavelmente, o que é mais lógico, é que eles comecem a abrir com o nível de COVID-19 que tem um país. Por exemplo, Nova Caledônia, tem zero faz muito tempo. Então faz muito sentido deixar as pessoas da Nova Caledônia entrarem no país.
SBS. Seriam as bolhas.
Paula Mills. Sim, e que provavelmente Brasil, Estados Unidos e Índia vão estar no fim. Estão trabalhando com essas bolhas dentro do país, internamente, e provavelmente vão fazer isso globalmente. A não ser que essa vacina saia, e uma vez que essa vacina saia, como produzir para 8 bilhões de pessoas…
SBS. Sei que essa semana você esteve reunida com o embaixador do Brasil na Austrália, Sergio Moreira Lima. O que o governo brasileiro está fazendo pelos brasileiros na Austrália em dificuldade agora na pandemia?
Paula Mills. Estamos tendo conversas neste momento de, através das Nações Unidas, em projetos de empreendedorismo social, encontrar soluções. Quanto maior a crise, maior a oportunidade, e quanto maior o problema, mais a gente pode empreender. E a gente fala muito no mercado em inglês, think global, start local. A gente está vendo sobre como pode pegar as inspirações das Nações Unidas, dos goals sustentáveis, e ajudar a comunidade brasileira a abrir empresas, encontrar soluções, para problemas que tivemos aqui durante o COVID, como violência dentro das casas, pobreza, educação e distribuição de educação, e ver se os alunos brasileiros conseguem encontrar soluções. (...) A gente oferece cursos de empreendedorismo social, e estamos vendo como podemos levá-lo a todos os brasileiros que estão lá e vêm pra cá, que querem ajudar o Brasil, querem ajudar a Austrália. E o Sergio falou uma coisa muito linda, temos 5 mil brasileiros empreendendo aqui, que é um número bem alto, e ele falou que existem algumas comunidades, mas as comunidades de empreendedores, sem fins lucrativos, uma brigava com a outra. E ele fez um projeto muito lindo, nós somos um time, brasileiros têm que dar suporte para as diferentes empresas brasileiras. Então ele está tentando fazer mais eventos para conectar, porque a gente tem muita empresa brasileira que poderia dar suporte para brasileiro em vez de comprar de outra nacionalidade aqui dentro da Austrália. Ele está vendo como ele pode, através da tecnologia, a conectar mais brasileiros para comprar de mais brasileiros aqui da Austrália para um apoiar a empresa do outro. Estamos vendo quais os sistemas, tecnologias, para fazer isso da maneira mais fácil possível para ter um impacto mais rápido.
SBS. Falando em impacto, sabemos que os efeitos podem ser devastadores em várias áreas, especialmente na área empresarial. Mas o outro lado é o que chamamos de empreendedorismo social…
Paula Mills. Exato. Nos três primeiros meses da pandemia, de acordo com as Nações Unidas, a gente deu 30 anos de passos para trás. Tudo que a gente tinha lutado para eliminar pobreza, desigualdade, a gente deu 30 anos de passos para trás. Os números são chocantes. 1.6 bilhão de pessoas estão desempregadas ou subempregadas. Então a gente tem trabalhado com o vencedor do Prêmio Nobel Mohamed Yunus, e ver como a gente pode desenvolver técnicas simples de como ajudar três pessoas desempregadas a encontrarem um emprego. Depois, como se implementa essa estratégia para 30, depois 300, depois 3 mil, 3 bilhões. Então a área de empreendedorismo social é a que está mais recebendo atenção, inclusive de investidores e suporte de governos. A Austrália tem um suporte para abrir incubadoras, agora chegou no meio milhão para você abrir incubadora com social impact. Todos os governos, não é só o da Austrália, estão com muito atenção, porque um business não é só fazer dinheiro, tem que ter um impacto social. E o que a gente teve por muitas gerações, o business era focado em fazer dinheiro e previa prejuízos da natureza, da saúde da população, pra você ver a importância do empreendedorismo social em todos os setores. E é uma área que eu sempre fui muito apaixonada, desde sempre eu fui empreendedora social, e todo mundo ria de mim, falavam “que é isso, não existe isso”, fazer business com impacto é caridade”, e eu dizia não, estou fazendo uma empresa com lucro e impacto na sociedade. E agora a gente vê esse movimento que todo mundo está falando em empreendedorismo social em todos os setores em governos e países do mundo. A gente unindo as forças, a gente vai solucionar todos os problemas. E tinha que começar rápido, porque efeito negativo já foi uma avalanche nos últimos seis meses.
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