Subitamente, sem que algo o fizesse prever, instalou-se em Portugal um cenário de pré-crise politica.
Fator desencadeador: a eleição (com surpresa geral) do candidato à direita nas eleições municipais de Lisboa.
Carlos Moedas, com vantagem de 2200 votos arrebatou a câmara ao socialista Fernando Medina.
A esquerda continua a ser maioritária em Lisboa (10 vereadores, frente a 7 à direita) e o PS continua a ser, amplamente o partido mais votado e o que preside a maior número de municípios no país.
Mas o facto de o PS, estando desde 2015 no governo do país, ter perdido a eleição em Lisboa levou a que a direita ganhasse fôlego e visse a possibilidade de abertura para viragem política.
É assim que uma rotina, a discussão e votação do Orçamento de Estado para o ano que vem (discussão e votação que vai dominar o próximo mês) instalou a possibilidade de crise e eventualidade mesmo de eleições gerais antecipadas em Portugal.
O governo de Portugal é, há já 7 anos, minoritário, do Partido Socialista. Governa com o suporte dos partidos à esquerda, maioritários no parlamento português.
Essa maioria de esquerda é formada pelo PS mais o BE (Bloco de Esquerda), PCP(Partido Comunista), Os Verdes e Partido dos Animais e da Natureza.
Ao longo destes 7 anos, os dois principais partidos à esquerda, BE e PCP, têm gradualmente subido o preço das exigências ao governo, essencialmente, mais benefícios para as classes trabalhadoras e para as populações mais pobres.
Nestes últimos dois anos, com a pandemia, cresceu muito também, nas exigências da esquerda, a exigência de fortalecimento do Serviço Nacional de Saúde, que garante cuidados médicos praticamente gratuitos a quem vive em Portugal.
Ora, o PS, com 108 dos 230 deputados (ficou a 8 da maioria absoluta, proporcionada seja pelos 19 do BE ou os 12 do PCP), tem sempre feito algumas concessões às esquerdas, embora tudo muito regateado porque tem sido ponto de honra para o governo PS encabeçado por António Costa, manter as contas certas e, de ano para ano, ir reduzindo o défice herdado do passado.
Ora, para as esquerdas mais à esquerda (BE e PCP) o défice não pode ser problema, o que importa é proporcionar condições dignas de remuneração e de vida para todas as pessoas.
Ao mesmo tempo, as direitas acusam o PS de, ao ceder ao assistencialismo das esquerdas, não mobilizar fundos para o progresso das empresas e assim criar riqueza para o país.
Ora, neste momento, o governo está às escuras sobre o que é essencial para que a esquerda viabilize o Orçamento do Estado para 2022.
Sabe quais são as prioridades, mas “tudo é prioridade”, ou seja, são muitas coisas que envolvem muita dotação de fundos, e desta vez há um sentimento de que não se trata de bluff ou tão-só de pressão negocial por parte das esquerdas.
Como não sabe qual o ponto de viragem, o Governo foi lançando medidas em todas as frentes. A estratégia passa, assim, por tentar negociar o OE levando várias medidas para a mesa de negociações.
Ora, sendo reconhecido que o documento orçamental apresentado pelo governo para 2022 não é (tal como os anteriores) pautado por tal austeridade que levasse a esquerda política a ver nele o diabo e fugir a sete pés, longe disso, que se passa então?
Que se passa para chegarmos a um ponto em que uma crise política fica no horizonte?
Que se passa para chegarmos a um ponto em que, na mesma semana, o Presidente da República (que nem tem origem no PS, mas no PSD, ala de centro-direita) se sente obrigado fazer três apelos públicos à aprovação do Orçamento, mostrando-se contrário a uma crise, e a chamar os partidos com assento parlamentar ao Palácio de Belém, com o argumento de que o período pós pandemia é de mobilização de esforços de todos para a recuperação, não é para crises políticas?
As circunstâncias políticas atuais podem explicar parte do que se passa: Bloco e PCP tiveram maus resultados nas eleições municipais de 26 de setembro; podem por isso sentir que lhes interessa descolar da ligação ao PS; por outro lado, a aliança que funcionou para aprovação dos Orçamentos desde 2015 foi criada com o pressuposto de evitar que a direita se mantivesse no poder, e essa cola foi-se diluindo com o tempo; provavelmente, houve alguma arrogância da governação PS, que levou os socialistas a acreditar que conseguiam repetir os resultados da legislatura anterior mesmo sem ter acordos com BE e PCP.
O facto é que neste momento a aprovação do orçamento está em dúvida e o chumbo do orçamento anuncia muito prováveis eleições antecipadas.
No comentário político em Portugal, tal como escreve Ricardo Costa, diretor do influente semanário Expresso, “ninguém encontra um fator racional para uma crise política pós-covid, nem sequer vislumbra os vencedores de um processo destes quando há tanta coisa a reconfigurar-se. O PS poderá ter que dar ao PCP o que nunca equacionou” para assim evitar eleições antecipadas – que, no entanto, especula-se, mesmo sendo um risco, até lhe podem interessar.
Claro está, os orçamentos devem ser aprovados porque são minimamente satisfatórios, não por medo de eleições.
O PS tem, ano a ano, gerido o momento. Falta-lhe aproveitar as pontes criadas para reformas progressistas. Talvez este cenário de pré-crise ofereça oportunidades para ousadia.
Tudo isto, sendo que no lado direito do espetro político há grande turbulência. Tanto no PSD como no CDS/PP há assaltos em curso à liderança.
No PSD, apesar de o líder, Rui Rio, ter conseguido nas eleições municipais um resultado acima das previsões, tem o chão a fugir-lhe debaixo dos pés. Um antigo apoiante de Rio, o eurodeputado Paulo Rangel, chegou-se à frente e vai disputar-lhe a liderança já no começo de dezembro.
Rangel tem com ele os barões do PSD, a começar por Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho. Prepara-se para federar a direita portuguesa, numa coligação com o CDS e a Iniciativa Liberal, com ambição anunciada de vir a conquistar maioria absoluta em próximas eleições.
No CDS tambem há desafio ao líder: o eurodeputado Nuno Melo desafia o atual nº1, Rodrigues dos Santos.
É indiscutível que a metade direita do leque político português está a rearmar-se para ressurgir no combate político.
É o que a esquerda fez há seis anos: então, em 2015, o PS juntou-se ao Bloco de Esquerda e ao Partido Comunista para superar a direita – e conseguiram. Passados seis anos, o PS está mais distanciado desses parceiros à esquerda.
Mas o ressurgimento da direita pode levar a um reencontro da esquerda.
As negociações, nos próximos dias, em torno da aprovação do Orçamento de Estado vão deixar pistas sobre a evolução da paisagem politica portuguesa.