Portuguesa faz estudo inédito da Permacultura australiana mas vê negado o seu Global Talent Visa

Eunice Neves a explorar a Austrália e a sua herança pioneira da Permacultura

Eunice Neves a explorar a Austrália e a sua herança pioneira da Permacultura Source: Sourced/Eunice Neves

Depois de viajar pelo mundo atrás de soluções sustentáveis e regenerativas que ajudem a salvar o planeta, a arquiteta paisagista portuguesa, Eunice Neves, escolheu a Austrália para aprender, trabalhar e viver com os “pais da Permacultura” – os seus maiores ídolos, os pioneiros da Permacultura nos anos 70. Depois de 15 meses em Down Under numa investigação-ação sobre esta filosofia de vida, Eunice é hoje, talvez, a investigadora portuguesa que mais sabe sobre Permacultura. O trabalho dela, apoiado pelos gurus da área, começou em Portugal com um crowdfunding e um Tourist Visa. Já na Austrália, Eunice esteve num Partner Visa que acabou por durar pouco mais de um ano, findo o qual teve que regressar a Portugal, mas não sem antes aplicar para um Global Talent Visa. Contudo, e apesar da sua expertise altamente reconhecida, o governo australiano negou-lhe este visto. Agora, já a viver no Alentejo, Eunice coordena um projeto de agroecologia que acolhe e empodera um grupo de jovens refugiados afegãos. Está feliz? Com certeza. Tem saudades da Austrália? Claro que sim. Arrepende-se de ter vindo para cá para viver o seu sonho? Nem pensar. Gostaria de regressar? Sem dúvida.


Eunice é uma mulher portuguesa ´daquelas´. É daquelas que vão da vontade à ação, da ideia à materialização, do sonho à sua manifestação efetiva.

Põe as mãos na terra. Faz-se à estrada. Tudo, aplicando os princípios básicos da Permacultura, a sua filosofia de vida:
Desenho todos os meus sonhos seguindo os três pilares da Permacultura – cuidar do planeta, cuidar das pessoas (de nós mesmos, uns dos outros, da nossa família, da nossa comunidade), e partilhar os recursos finitos da natureza de forma justa por todos.
A arquiteta paisagista e investigadora é verdadeiramente apaixonada pelo planeta Terra e tem dedicado os últimos anos da sua vida à missão de observar, defender, comunicar e copiar os ecossistemas naturais através da Permacultura.  

Eunice e a cabra Blossom, na quinta em Melliodora
Eunice e a cabra Blossom, na quinta em Melliodora Source: Sourced/Eunice Neves


Foi precisamente para desbravar, mais ampla e profundamente, a génese e a aplicabilidade da Permacultura que Eunice decidiu vir para a Austrália ainda antes da pandemia Covid-19 começar.

A Permacultura nasceu na Austrália, nos anos 70 e, portanto, é em território Aussie que se encontram os projetos de Permacultura mais antigos, mais complexos, os primeiros ´case-studies ´do mundo que estão mais ativos do que nunca nas mãos dos maiores gurus da área.

O segundo país do mundo onde o movimento da Permacultura se espalhou foi nos Estados Unidos, onde Eunice também já esteve por três meses.

Mas foi mesmo na Austrália que Eunice viveu o maior sonho da sua vida.
Eunice com uma das mulheres mais importantes da área da Permacultura no mundo, Rosemary Morrow, junto à sua ´Permaculture Home´
Eunice junto de uma das suas gurús, uma das mulheres mais importantes da Permacultura no mundo, Rosemary Morrow, junto à sua ´Permaculture Home´ Source: Sourced/Eunice Neves
Desde trabalhar e viver na quinta onde crescem os únicos pistachios orgânicos da Austrália, até aprender e experimentar as melhores práticas de construção de casas e produção alimentar, Eunice aprendeu de tudo um pouco.
Foi incrível porque fiz uma investigação-ação onde pude efetivamente experimentar tudo o que li durante anos nos livros dos meus ídolos, lado a lado com eles.
Ver in loco como se constróem casas com o uso de fardos de palha; como se recuperam as águas das casas de banho e limpeza (as chamadas águas cinzentas que quando são bem aproveitadas servem para irrigar os terrenos); como se pensa o design das ´casas de banho secas´ (onde não é usada água, e a ferradura é o elemento que a substitui, conduzindo depois a um processo de compostagem do qual resulta adubo pronto a usar e fertilizar os pomares); como se desenham jardins e hortas de forma verdadeiramente sustentável e regenerativa, etc... foi um sonho tornado realidade onde a investigadora portuguesa se regeu pelas leis básicas da Permacultura de forma muito consciente:
A minha investigação de sonho foi desenhada e materializada ao longo de 4 meses. E testei uma ideias-chave da Permacultura que resulta mesmo – no problema é que está a solução. Sem financiamento da academia portuguesa, comecei então um crowdfunding na internet, onde consegui reunir até mais dinheiro do que pedi inicialmente para arrancar com este projeto.
Diz ela que veio de mochila às costas, com os 5.300 euros que conseguiu de uma ação crowdfunding online, disposta a trabalhar nas quintas de Permacultura que incluiu metodicamente na rota do seu projeto, em troca de alimentação e estadia:
Em todas as quintas onde vivi e trabalhei, garanti alimentação e estadia gratuitas, em troca do meu trabalho físico e de investigação.
Neste momento do nosso planeta em que é tão urgente regenerar os ecossistemas degradados que nos rodeiam o mais rapidamente possível, “não há que inventar a roda”, esclarece Eunice, que acrescenta convicta: 
Aconselho aos jovens investigadores e interessados na Permacultura que aprendam diretamente com os pioneiros da disciplina e que apliquem os conhecimentos deles o quanto antes e o mais possível.
Afinal, a Permacultura não nasceu na Austrália por mero acaso.
A Permacultura é muito inspirada nas culturas e diversidade de conhecimentos e práticas dos povos Aborígenes. Temos tanto a aprender com os Indígenas australianos! Eles conhecem como ninguém as dinâmicas dos ecossistemas todos desta zona do mundo.
Eunice a apanhar alho francês na quinta Food Forest para vender no Adelaide Farmers´Market
Eunice a apanhar alho francês na quinta Food Forest, para vender no Adelaide´s Farmer Market Source: Sourced/Eunice Neves


A burocracia e o fim da aventura australiana conforme a Eunice a idealizou 

Mas nem tudo foi fácil na concretização do sonho da Eunice em Down Under.

Nos primeiros 12 meses, a investigadora esteve com um Tourist Visa. Como o seu era um estudo “fora da caixa”, não era patrocinado por nenhuma universidade portuguesa ou australiana, portanto o Visto de Estudante não lhe foi atribuído.

Depois, reencontrou um "bom amigo português" também a trabalhar na Austrália, apaixonaram-se e casaram. Eunice passou, então, a estar enquadrada num Partner Visa.

Mas este Partner Visa durou tanto quanto o casamento, infelizmente. O casal divorciou-se um ano e pouco depois para "continuarem os amigos de sempre". Eunice ficou então numa situação complicada na Austrália, e foi obrigada a regressar a Portugal num curto espaço de tempo.

Mas antes de ir embora, resolveu 'arregaçar as mangas' mais uma vez e começar uma longa e árdua luta no âmbito da aplicação para o Global Talent Visa - uma solução que lhe foi aconselhada por uma advogada de emigração, tal é importante o trabalho desenvolvido por Eunice, tanto para Portugal como para a Austrália e até para a sinergia entre os dois países ao nível da investigação, troca de know-how e aplicação da Permacultura mais informada nos dois países.
Eunice a preparar o solo para novas plantações na quinta Melliodora
Eunice a preparar o solo para novas plantações na quinta Melliodora Source: Sourced/Eunice Neves
Mais uma vez, muitos amigos contribuíram para esta luta da Eunice, todos os seus mentores da Permacultura na Austrália deram o `tudo por tudo` e, no fim, 30 cartas de recomendação foram reunidas e anexadas ao processo da sua aplicação para o Global Talent Visa.

Mas, para profundo desalento de todos, em particular da Eunice, o Global Talent Visa acabou por não ser aprovado pelo governo australiano.

Contudo, mais uma vez, a arquiteta paisagista foi resiliente, aceitou e, imbuída do espírito da Permacultura, continua o seu trabalho:
Fiquei muito triste, mas o meu estudo não acabou por aqui. Se o visto não me foi concedido talvez tenha sido porque não me estava destinado. E agora há que continuar com o meu estudo de outra forma.
A trabalhar online com todos os seus novos amigos e mentores na Austrália, a investigadora já decidiu que fará viagens esporádicas sempre que for possível para todos.

No próximo mês de Agosto, por exemplo, já tem voo marcado e cá a esperam todos os seus companheiros das quintas por onde passou.

Olhando para trás, é fácil perceber que a “viagem” da Eunice pela Permacultura está apenas no seu início

A aventura da Eunice pelo universo da Permacultura continuará, sem dúvida, porque esta sua ligação à natureza é algo que lhe é intrínseco.

Aos 10 anos inaugurou o Clube da Natureza no curral dos porcos do seu avô, nos terrenos da família junto ao rio Lis, em Leiria, onde nasceu e cresceu.
Cresci à beira do rio Lis com os meus avós e os meus pais, com muitos animais, hortas e árvores de fruto. Sempre rodeada da abundância que a natureza nos pode oferecer.
Diz Eunice que consegue identificar claramente quando começou a sua missão de ativista pelo planeta Terra:
A partir do curral dos porcos do meu avô, eu e uma grande amiga, apenas com 10 anos, já fazíamos abaixo-assinados pelo rio Lis e pela defesa da zona natural das suas margens.
A arquitetura paisagista, agora com quase 40 anos, já trabalhou na Holanda, em planeamento urbano e concepção de jardins, mas rapidamente deprimiu com a vida de atelier, “entre quatro paredes e horas a fio em frente ao computador”.

Partiu, então, para o Nepal onde fez voluntariado com crianças órfãs numa aldeia ecológica. Foi aqui que descobriu a Permacultura.

Desde logo viu na Permacultura, não só uma teoria, técnica ou ferramenta mas, acima de tudo, uma filosofia de vida “que se aplica a todas as áreas, e a toda a gente independentemente das suas circunstâncias de vida – seja num contexto urbano ou rural”.
Na quinta em Melliodora com David Holmgren (ao centro), Su Dennett (junto a Eunice), Oliver Holmgran (junto a David) e vários amigos da plataforma Woofer
Na quinta em Melliodora com David Holmgren (centro), Su Dennett (junto a Eunice), Oliver Holmgran (junto a David) e vários amigos da plataforma Woofer Source: Sourced/Eunice Neves
Depois da experiência no Nepal, procurou aprender tudo sobre a Permacultura correndo o mundo (incluindo Portugal que também já tem muitos projetos a acontecerem) atrás de quintas ecológicas, histórias de vida, boas práticas de sustentabilidade e regeneração de ecossistemas, fazendo voluntariado, tirando cursos e workshops sobre a área.

Hoje em dia, como uma das grandes expertises na matéria no mundo, Eunice define a Permacultura como um conceito que pode, e deve ser, implementado por cada um de nós:
A Permacultura está assente na ideia de cuidar. É sobretudo uma filosofia de justiça social, um sistema de ensino de design descentralizado, não formal, de partilha de experiências e de entusiasmo, que está espalhado por centenas de países.
Explica a investigadora, que acrescenta ainda o seguinte:
É um conceito que se baseia na observação dos ecossistemas naturais que depois aplicamos a todos os ecossistemas humanos, em todas as áreas da nossa vida, em qualquer contexto.
Eunice, vai mais a fundo e explica que a Permacultura é uma disciplina mesmo prática e transformativa:
Podemos aplicar a Permacultura quando desenhamos o nosso jardim, mas também quando desenhamos o nosso apartamento na cidade, se o quisermos mais sustentável. E a Permacultura também não é só para espaços físicos. Bem pelo contrário, podemos usar os princípios desta filosofia para desenhar uma empresa, por exemplo, em que a cada decisão que tomamos, perguntamo-nos – será ´isto´ bom para o planeta? Será que ´isto´ no ajuda a cuidar das pessoas?
Na verdade, Eunice continua:

“A permacultura acaba por ser uma forma de estar e de pensar que eu tenho aplicado a imensas áreas da minha vida, desde o espaço onde vivo, onde e como trabalho, até à criação dos meus sonhos. Ou seja, é um conceito muito vasto que integra muitas disciplinas incluindo, obviamente, a produção alimentar que tem um grande impacto".

"Mas também a construção civil - como, com quem e com que materiais construímos as nossas casas? Usamos materiais locais? Reciclamos materiais? Usamos mão de obra local e justamente remunerada? Usamos design solar passivo? Usamos bem o sol e o vento para aquecer e arrefecer as nossas casas?”.
Eunice a vender legumes da quinta The Food Forest, junto duas figuras incontornáveis da Permacultura da Austrália e do mundo - Graham e Annemarie Brookman
Eunice a vender legumes da quinta The Food Forest, junto duas figuras incontornáveis da Permacultura da Austrália e do mundo - Graham e Annemarie Brookman Source: Sourced/Eunice Neves
Neste momento, Eunice está a viver em Mértola, a coordenar um projeto de acolhimento e integração de jovens refugiados do Afeganistão no âmbito da agroecologia e da Permacultura.

Diz ela que, neste preciso momento, o seu foco e “grande responsabilidade” está em continuar a aprender e também a ensinar todas estas ferramentas que permitam empoderar este grupo de jovens afegãos para que se adaptem e integrem em Portugal - um novo país para eles.
A presença destes jovens afegãos que eu coordeno neste momento é incrível! Não só eles, mas também nós, portugueses, podemos beneficiar da ajuda deles para regenerar o interior de Portugal que precisa tanto de pessoas e de cuidado.
Enfim, os sonhos continuam a levar a Eunice mais além, sempre com a ajuda da Permacultura.

Para ouvir esta entrevista completa, onde a Eunice dá dicas sobre as plataformas de crowdfunding e quintas ecológicas na Austrália às quais recorreu e outras que ela sabe que funcionam igualmente bem; sobre Permacultura (incluindo os nomes dos gurus do movimento na Austrália e detalhes dos seus livros e projetos incríveis espalhados por todos os estados e territórios australianos); etc... clique no ´play´sobre a imagem que abre este artigo.  

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