Novo estudo vem reforçar o tanto que temos a aprender com a gestão Aborígene dos fogos

Estudo prova que os processos de combate aos incêndios ocidentais são largamente mais ineficazes do que as queimadas Aborígenes

Estudo prova que os processos de combate aos incêndios ocidentais são largamente mais ineficazes do que as queimadas Aborígenes Source: DEPARTMENT OF FIRE AND EMERGENCY SERVICES

Uma das conclusões do surpreendente e assustador relatório ´State of the Environment´ divulgado na semana passada é que as mudanças climáticas estão a prolongar as temporadas de incêndios florestais na Austrália e também a aumentar o número de dias classificados de risco de incêndio “muito alto” ou superior. Um novo estudo académico vem, em paralelo, provar que todo este desespero poderia diminuir se aprendêssemos as técnicas tradicionais das queimadas Aborígenes.


Em Nova Gales do Sula temporada dos incêndios foi estendida até quase oito meses.

Nunca antes foi tão importante para os programas institucionais de controlo de incêndios florestais aplicar os princípios e práticas do controlo do fogo Indígena, ou a chamada “queima cultural”.

Como observa o relatório ´State of the Environment´, as queimadas culturais reduzem o risco de incêndios florestais, ajudam o habitat da fauna e flora, e melhoram o bem-estar das comunidades Indígenas.

No entanto, o mesmo relatório refere o seguinte:
Com lacunas significativas de financiamento, impedimentos de posse e barreiras políticas, a queima cultural Indígena permanece desaproveitada – atualmente é aplicada em menos de 1% da área de terra dos estados e território do sudeste da Austrália.
Um recente levado a cabo, em conjunto com os povos Aborígenes da área do estudo, pelos Professores e investigadores , e , publicado no Scientific Reports e divulgado recentemente no jornal online The Conversation, levantou uma questão fundamental:
Como é que podemos comparar os resultados ambientais da queima cultural Aborígene com as práticas ocidentais de controlo de incêndios florestais?
Usando a área do planalto de Arnhem, no Território do Norte, como estudo de caso, este grupo de cientistas revelaram porque é que o controlo institucional do fogo é, sem dúvida, inferior à queima cultural dos povos Aborígenes daquela zona (a qual serve de referência, aliás, para o resto da Austrália e do mundo incluindo Portugal e os Estados Unidos que estão neste preciso momento em chamas).
As poucas paisagens remanescentes onde os Aborígenes ainda continuam uma tradição ininterrupta de cuidar das suas terras são de importância internacional.

Diz este grupo de investigação que estas áreas de terrenos cuidados pelas Primeiras Nações australianas desde há milhares de anos "devem ser nacionalmente reconhecidos, valorizados, protegidos e dotados de recursos como acontece a outros lugares culturais e históricos protegidos".

Controlo cultural do fogo

O terreno acidentado do planalto de Arnhem tem uma história humana tão antiga que os seus povos são considerados a população viva mais antiga do nosso planeta, com evidências arqueológicas datadas de 65.000 anos.

Arnhem é o local ideal para explorar os efeitos de diferentes regimes de fogo, porque o fogo é uma característica essencial do ambiente natural e cultural.

Esta zona da Austrália é particularmente propensa a incêndios, devido às estações húmidas e secas fortemente contrastantes ao longo do ano.

A estação chuvosa vê o crescimento prolífico de plantas inflamáveis, e a estação seca oferece condições quentes, secas e ventosas especialmente propícias aos incêndios.

Leia mais: O melhor sistema de gerenciamento de incêndios do mundo está no norte da Austrália e é liderado por gestores de terras indígenas

Milhares de anos de gestão e controlo habilidoso do fogo pelas Primeira Nações nestas paisagens permitiram que plantas e animais que precisam de um habitat estável e o menos queimado possível prosperassem.

Isto envolve uma mudança das queimadas por “área”, em que pequenas zonas são queimadas regularmente para criar uma “manta de retalhos” de habitats com diferentes histórias de incêndio.
Esta técnica oferece à vida selvagem uma diversidade de recursos e lugares para se abrigar entre queimadas, e entre áreas de queima.

Os biólogos conservacionistas acreditam que a perda desta tradição de queimadas irregulares e cíclicas, desde a colonização da Austrália, contribuiu para o desaparecimento catastrófico de espécies selvagens no norte da Austrália, como sejam os quolls e os bandicoots castanhos do Norte, e os melomys das pastagens.

Colapso do pinheiro cipreste

Este estudo longitudinal e prolongou-se por 25 anos, e não teria sido possível sem o apoio generoso, o envolvimento e a aprovação dos guardiões tradicionais Indígenas desta zona.

O estudo comparou um terreno protegido e gerido pelo povo Kune do Ocidente de Arnhem, e outros terrenos ecologicamente semelhantes, mas desocupados dentro do Parque Nacional Kakadu.

Os investigadores descobriram que um grande número de pinheiros ciprestes (Callitris intratropica) permaneceram saudáveis ​​sob a gestão contínua da técnica Aborígene de manutenção do fogo.

Em oposição, uma quantidade igualmente grande de pinheiros ciprestes entraram em colapso nas áreas ecologicamente semelhantes em Kakadu, devido precisamente à perda da gestão Indígena do fogo, como ocorreu em grande parte do norte da Austrália.

O número de pinheiros mortos e pinheiros vivos é como que um código de barras que relata a mudança do regime de fogo.

Chegou-se à conclusão que esta espécie de pinheiros tem uma vida tão longa que as árvores mais velhas estavam bem estabelecidas antes da colonização.

A madeira é extremamente durável e resistente a térmitas, de modo que uma árvore morta pelo fogo permanece na paisagem por muitas décadas.

As árvores maduras podem tolerar fogos de baixa intensidade, algo que as árvores mais jovens não conseguem. Contudo, ambas morrem com os fogos intensos.
Desde 2007, os guardas-florestais não-Indígenas tentaram imitar os resultados da queima cultural Aborígene, usando helicópteros para gerar focos de incêndio com a intenção de formar as “mantas de retalhos” Indígenas.

Mas este processo "atabalhoado" só gerou áreas queimadas grandes e descontroladas, e não queimadas capazes de melhorar a biodiversidade dentro do parque natural Kakadu.

Infelizmente, a equipa de investigação deste estudo descobriu que as intervenções institucionais de controlo do fogo de Kakadu falharam ao tentar restaurar a paisagem no sentido de a tornar ecologicamente mais saudável copiando a técnica Aborígene tradicional das queimadas.

Embora o programa de queimadas aéreas de Kakadu tenha aumentado a quantidade de vegetação não queimada, o programa falhou por não conseguir reverter o colapso do número de pinheiros ciprestes.

Buscas de dezenas de quilómetros não conseguiram encontrar um único pinheiro cipreste rejuvenescido em Kakadu, enquanto este fenómeno era muito comum em áreas comparáveis,​​ mas sob o controlo Aborígene do fogo.

O mesmo estudo destaca ainda que, uma vez perdidos os benefícios ecológicos da queima cultural, eles não podem ser simplesmente restaurados com as abordagens convencionais de controlo do fogo.

Mas isto não quer dizer que os impactos ecológicos da perda do controlo Aborígene do fogo não possam ser revertidos.
Pelo contrário, restaurar as técnicas de fogo e a saúde do ecossistema pode ser um processo lento e exigirá cuidados especiais nomeadamente nas escolhas - onde e como - os incêndios são iniciados. Mas é possível.

Isto requer equipas no terreno com profundo conhecimento da terra (principalmente pessoas Aborígenes da área), em vez de simplesmente atear incêndios indiscriminados através do uso de helicópteros.

Há muito o que aprender com as Primeiras Nações australianas

A ciência ocidental ainda tem muito o que aprender sobre a gestão e o controlo tradicional do fogo.

A gestão e o controlo institucional de incêndios de larga escala é baseado em conceitos de eficiência e generalidade que são, por seu turno, condicionados por burocracias e estão dependentes de máquinas e tecnologias.

Tal abordagem “industrial” não pode substituir o conhecimento localizado, incluindo as relações humanas intensas com o terra as quais depois sustentam a queima cultural.

As diferenças entre a queima cultural e a gestão institucional do fogo podem ser comparáveis ​​com as diferenças entre a comida caseira e o fast food.

O fast food é rápido, barato e produz o mesmo produto, independentemente das necessidades individuais. Cozinhar em casa exige mais tempo na preparar, pode atender às necessidades individuais e pode melhorar o bem-estar geral das pessoas.

Mas restaurar estratégias e programas sustentáveis ​​de fogo com base na sabedoria e nas práticas dos povos Indígenas não pode ser alcançado da noite para o dia.
Colher os benefícios da queima cultural em paisagens onde o colonialismo interrompeu antigas tradições de fogo leva tempo, esforço e recursos.

É urgente que os praticantes tradicionais do fogo sejam reconhecidos pelo seu conhecimento inestimável e apoiados materialmente para continuar a cuidar do seu país.

Isto inclui: apoiar ativamente os Indígenas no seu direito a residirem nas suas próprias terras como seus proprietários legítimos; pagar justamente a estas comunidades para que possam fazer a sua própria gestão dos recursos naturais - incluindo a queima cultural - criando oportunidades que permitam aos povos Indígenas (que foram obrigados a sair das suas terras pelo poder do colonialismo) que voltem a integrar-se e a envolver-se na gestão e controlo dos incêndios australianos.

Restaurar as paisagens através das tradições de queimadas culturais sustentáveis ​​é um projeto de longo prazo que envolverá treino e re-aprendizagem de práticas antigas.

Há um mundo de oportunidades extraordinárias para Indígenas e não Indígenas aprenderem a cuidar do país juntos.

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