Morte aos 92 anos de Fernando Echevarria, um dos mais filosóficos poetas na língua portuguesa

Echevarria

O poeta português Fernando Echevarria na França, em março de 2000. Ele morreu na segunda-feira, 4/10, no Porto, aos 92 anos. Source: Raphael GAILLARDE/Gamma-Rapho via Getty Images

O ensaísta francês Robert Bréchon, autor de uma conhecida biografia de Fernando Pessoa, não hesita em escrever, nos anos 80, que “a obra que Fernando Echevarría vem edificando com paciência há mais de 30 anos não tem equivalente na poesia europeia de hoje”.


Permito-me começar com versos da poesia de Fernando Echevarria

 
"Fez-se manhã, pelo azul da frase/
o voo branquejava de gaivotas./

Ou expunha penumbras singulares/

tocadas por um júbilo de rosa/ fugidio. Subtil.

E a azular-se/ conforme a pressa lhe afastava a rota."

 
Fernando Echevarria morreu neste 4 de outubro, aos 92 anos.

 
Ao longo de seis décadas Echevarria de quem se diz ser um dos mais filósofos poetas da língua portuguesa, foi erguendo uma das mais sólidas e singulares obras da poesia portuguesa contemporânea.

 
Em 2013, publicara Categorias e Outras Paisagens, um livro com quase 500 poemas,  de conseguida perfeição formal.

O crítico António Guerreiro escreve que “A obra de Fernando Echevarría, construída de maneira silenciosa, parece um objecto arquitectónico de grande envergadura, em que nada escapa a uma geometria rigorosa e ao primado da dimensão intelectual”.

Há em Echevarria uma tensão fundamental entre poesia e filosofia, entre o pensar e o poetar.

O ensaísta francês Robert Bréchon, autor de uma conhecida biografia de Fernando Pessoa, não hesita em escrever, nos anos 80, que “a obra que Fernando Echevarría vem edificando com paciência há mais de 30 anos não tem equivalente na poesia europeia de hoje”. “Não há nada de circunstancial, de sentimental ou de sensual”, diz ainda Bréchon, nesta “poesia cerebral” que “enuncia a dialéctica da presença e da ausência do ser”.

A notória e assumida dimensão filosófica da obra de Fernando Echevarría espelha-se quase provocatoriamente em títulos como Introdução à Filosofia (1981) ou Fenomenologia (1984), que os leitores da sua poesia muitas vezes procuravam em vão nas livrarias, porque os livreiros os tomavam por manuais de estudo e os arrumavam na estante da Filosofia.

Volto a dizer poesia de Echevarria, neste caso, o que está num dos capítulos do livro Introdução à Filosofia: “Chamam tristeza a este modo lento/ de passarem por nós coisas amadas/ sem as estarmos vendo/ senão nos vultos de nenhuma estrada./ E até talvez digam mesmo/ que já não amamos nada/ – nem as coisas que amamos e não vemos,/ nem as que vemos sem poder amá-las./ Mas a verdade é que esse modo lento,/ essa tristeza com ou sem estrada/ por onde são os vultos só o que vemos/ das coisas para sempre amadas,/ a verdade é que vê-las está sendo/ também por elas passar na mesma estrada./ E esse passar recíproco é dum tempo/ que se esqueceu da duração passada.”

Assim Echevarria, nome grande da escrita em língua portuguesa, a vida que teve 92 anos parou neste começo de outubro.


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