Como estudante baiana implementou seção de produtos brasileiros na unidade da rede de supermercados australiana onde trabalha

Luisa

A estudante internacional Luisa Brito chegou na Austrália há 3 anos e implementou uma seção e produtos brasileiros no supermercado one trabalha, em Melbourne. Source: Supplied

Luisa Brito é estudante internacional em Melbourne há três anos e responsável por colocar cerca de cem produtos brasileiros à venda no supermercado em que trabalha. "Eu já vi gente que chorou de emoção em frente aos produtos. Ver a felicidade das pessoas quando encontram aqueles itens me dá uma alegria imensa"


Segundo dados do Instituto Australiano de Estatísticas, em junho de 2020 havia 7 milhões e 600 mil imigrantes vivendo na Austrália. 29.8% da população australiana nasceu em outros países.

Na SBS são transmitidos programas em mais de 60 línguas. Uma demonstração do quanto a Austrália é multicultural.

Um reflexo disso é que encontramos restaurantes das mais diversas cozinhas nas maiores cidades australianas e mercados com os mais variados produtos vindos de muitos países.

Em Melbourne, a estudante baiana Luisa Brito, que é funcionária de uma loja da quarta maior rede de supermercados da Austrália, IGA, conseguiu implementar na unidade onde trabalha, uma seção só de produtos brasileiros.
Luisa clientes
Luisa com clientes na seção de produtos brasileiros, no supermercado onde trabalha, em Melbourne. Source: Supplied
Da ideia para a prática

Luisa conta que chegou na Austrália há cerca de três anos com a ideia inicial de passar apenas cinco meses estudando no país, enquanto definia melhor a ideia de abrir uma empresa no Brasil no seu retorno.

E apesar de saber que existia a possibilidade de trabalhar por meio período no país no visto de estudante internacional, ela só tomou a decisão de procurar emprego quando se viu ‘entediada’ com a rotina de 'apenas' estudar, uma semana depois de chegar em Melbourne.

A oportunidade de trabalhar no supermercado surgiu logo no início da busca de Luisa por um emprego. E a ideia de sugerir para o chefe que fossem colocados à venda alguns produtos brasileiros na loja onde trabalha veio quando ela foi marcada por amigos em uma publicação nas redes sociais de algumas guloseimas do Brasil sendo vendidas em um outro supermercado. Segundo Luisa, os amigos sugeriram que ela tentasse fazer o mesmo no estabelecimento onde trabalha.

Ela então levou a ideia para o dono do mercado, disse que com as fronteiras da Austrália fechadas naquele momento para voos internacionais, não havia brasileiros chegando no país e trazendo os produtos do Brasil para vender na Austrália, o que poderia ser uma vantagem naquele momento. Ele gostou da ideia e permitiu que ela fizesse um teste para ver se os produtos teriam procura e seriam vendidos.

Sucesso apesar do lockdown

O primeiro contato que ela fez então foi com uma empresa importadora que vende aqueles ‘produtos de prateleira’. Eles mesmos sugeriram que ela comprasse poucos itens inicialmente para ver se teriam ‘saída’. “Eu lembro que o primeiro pedido que fiz foi no valor de A$1 mil, com apenas oito produtos”.
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Primeira prateleira de produtos brasileiros no supermercado onde Luisa trabalha tinha poucos itens à venda, que se esgotaram em dois dias, apesar do lockdown. Source: Supplied
Luisa conta que ficou tensa com o fato de que no dia que os produtos chegaram na loja foi justamente o dia em que o governo de Victoria decretou a restrição de que a população de Melbourne e região metropolitana não poderia percorrer um raio maior do que cinco quilômetros de suas casas.

Ela ficou receosa porque o supermercado onde trabalha fica em um bairro residencial, mais afastado do centro da cidade. “Eu falei com meu chefe que provavelmente a gente não conseguiria vender os produtos por causa da restrição (dos 5km). A maioria dos brasileiros que eu conhecia moravam no centro de Melbourne. Eu fiquei bem preocupada”.
Eu falei com meu chefe que a gente não ia conseguir vender os produtos por causa da restrição (dos 5km). Mas no primeiro dia, metade dos produtos tinham sido vendidos. Em dois dias acabou tudo.
Apesar disso, Luisa disse que se emocionou ao ver os produtos brasileiros chegarem, que os ‘arrumou’ nas prateleiras de um dos corredores do supermercado e divulgou no Facebook para os seus contatos. Ela encerrou o expediente mais cedo naquele dia, mas resolveu ligar para a loja mais tarde para saber sobre a venda dos produtos.

Ela ficou surpresa quando o chefe disse que metade dos produtos já tinham sido vendidos e pediu que ela fizesse mais um pedido para comprar novos itens. No dia seguinte os produtos tinham se esgotado e o volume dos pedidos foi aumentando de acordo com a crescente demanda.

Contatos com fornecedores

Luisa diz que como a implementação de produtos brasileiros no mercado onde trabalha começou durante o lockdown e Melbourne, ela teve algumas vantagens com isso.

Foi permitido temporariamente pelo governo australiano que portadores de visto de estudos que estivessem empregados em supermercados pudessem trabalhar mais do que as 40 horas permitidas por quinzena, por ser um setor essencial.

Ela então ganhou mais horas e de trabalho e conseguiu se dedicar à seção brasileira do supermercado, fazer contato com mais fornecedores e colocar suas ideias em prática, o que a manteve bem atarefada, mesmo durante o período de isolamento social adotado em Melbourne.
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Cortes de carne populares no Brasil, como a picanha, e também a linguiça, estão entre os produtos mais vendidos no supermercado onde Luisa trabalha. Source: Supplied
A partir daí, Luisa foi encontrando novos fornecedores, como um brasileiro que vende os cortes de carne mais populares nos churrascos do Brasil. E o fornecedor da carne indicou para Luisa o fornecedor de açaí. Duas das grandes paixões dela, e produtos dos quais ela própria sentia falta na Austrália.
O fornecedor de carne me indicou o de açaí, que me indicou o de pão de queijo. Temos fornecedores brasileiros de várias cidades da Austrália.
“Uma coisa que para mim representa muito o Brasil é o churrasco. Uma vez, logo que cheguei na Austrália, eu tentei fazer um churrasco brasileiro aqui (em Melbourne) mas não encontrei os cortes de carne que queria, como a picanha”, conta Luisa, que diz que sentia muita falta também do açaí do Brasil, pelo qual é apaixonada.

Produtos brasileiros não só para brasileiros

Um fornecedor foi levando ao outro e, segundo Luisa, hoje são vários fornecedores diferentes, de diversas cidades da Austrália, todos brasileiros, que preparam e vendem produtos que vão muito além daqueles industrializados, de prateleira, e da carne e do açaí. Tem pão de queijo, salgadinhos de festa, marmitas de refeições, entre outros.
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Hoje são oferecidos em média cem diferentes produtos brasileiros espalhados por prateleiras, geladeiras e refrigeradores no supermercado onde Luisa trabalha. Source: Supplied
Luisa conta que há uma variação nos tipos de produtos oferecidos no supermercado onde trabalha, dependendo da disponibilidade dos fornecedores, mas que em média são cerca de cem produtos diferentes, espalhados por várias seções da loja, em prateleiras, geladeiras e congeladores.  

Dos produtos mais populares entre os clientes, Luisa destaca a farofa, o cuscuz, os achocolatados, biscoito de polvilho, pão de queijo, salgadinhos, mandioca (aipim ou macaxeira) congelada e carnes como picanha e linguiça.
Os produtos mais vendidos são farofa, cuscuz, achocolatados, biscoito de polvilho, pão de queijo, salgadinhos, mandioca e carnes como picanha e linguiça.
Sobre os clientes que consomem os produtos brasileiros, Luisa diz que há alguns australianos que ficam curiosos, compram para provar e depois retornam para comprar mais porque gostaram. Ela cita um cliente australiano apreciador de cervejas que achou a cerveja brasileira ‘deliciosa’. E destaca que a feijoada também foi aprovada por clientes locais.

Satisfação pessoal

Luisa não tem nenhuma ‘vantagem financeira’ com a venda dos produtos brasileiros no supermercado onde trabalha. Ela não ganha com importação e nem recebe comissão em cima da venda dos itens. Ela diz que o que ‘ganha’ com isso é a satisfação de ver brasileiros felizes em poder comprar produtos com ‘gosto’ de Brasil.

Ela diz que os primeiros clientes que chegaram lá, pulavam de alegria. “Eu já vi gente pulando, já vi gente que chorou em frente aos produtos. Uma mulher que mora aqui há 12 anos e não conseguiu voltar ao Brasil nesse período por vários motivos, se emocionou ao ver os produtos porque queria mostrar para o filho que nasceu aqui as coisas típicas do Brasil”.
Uma cliente que mora aqui há 12 anos e não pôde voltar ao Brasil nesse período, se emocionou ao ver os produtos porque queria mostrar para o filho nascido aqui as coisas típicas do Brasil.
Luisa fala que “ver a felicidade das pessoas quando encontram aqueles produtos me dá uma alegria imensa. E eu também tive o reconhecimento profissional do meu chefe. No começo tudo passava por ele. Agora ele me dá liberdade para tomar decisões por conta própria. Ele me deu apoio em vários sentidos”.

Mais perto de casa 

Ela também destaca que fez vários amigos entre os fornecedores dos produtos e os clientes. Algumas dessas pessoas se tornaram muito próximas da Luisa. Ela chegou a dividir a casa e fazer viagens com pessoas que conheceu através da iniciativa de colocar produtos brasileiros à venda no mercado onde trabalha. Algo que, segundo ela, a faz se sentir muito mais ‘em casa’.

Segundo Luisa, poder se sentir mais próxima do Brasil por causa do trabalho a ajudou a lidar com a saudade da família e do país, já que por causa da pandemia e do fechamento das fronteiras da Austrália, não pôde voltar nenhuma vez ao Brasil desde que chegou no país da Oceania, cerca de três anos atrás.
Trabalhar em contato com produtos, profissionais e o público brasileiro faz com que eu me sinta mais próxima do Brasil.
Sobre os planos futuros, Luisa diz que sua vontade oscila entre ficar na Austrália e voltar para o Brasil. Mas que neste momento sua intenção é continuar por aqui, onde pretende abrir o próprio negócio. “Eu acho a Austrália um país maravilhoso. Uma das coisas que eu mais gosto daqui é o quanto me sinto segura, além de ser um país que te possibilita muito, no sentido de você trabalhar e conseguir comprar as coisas com mais facilidade do que no Brasil”.

E completa: “apesar de algumas pessoas falarem que sofreram preconceito aqui (por serem estrangeiros), eu considero a Austrália um país onde a população tem a mente muito aberta e é muito receptiva com os imigrantes”.


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