Os brasileiros são a maior comunidade migrante residente em Portugal. Os números oficiais apontam para registo de 160 mil.
Admite-se que sejam mais de 200 mil, com disparo no ano passado. Há quem aponte mesmo 250 mil.
Nesta comunidade brasileira em Portugal encontram-se cada vez mais músicos, artistas visuais, performers, atores, coreógrafos, DJs, cineastas, escritores, artistas transdisciplinares, arte-educadores, produtores culturais, curadores, editores, investigadores que ligam a atividade artística à academia e à produção de pensamento.
Cyntia de Paula, presidente da Casa do Brasil, associação sem fins lucrativos sediada em Lisboa que trabalha na área dos direitos das comunidades imigrantes refere que nos últimos cinco anos, desde o final da presidência Dilma [em 2016], “têm chegado a Portugal imigrantes mais qualificados, de vários perfis e na faixa etária dos 30-40 anos, entre os quais artistas”.
Cyntia acrescenta que a mais recente vaga migratória se acentuou em 2018 — coincidência ou não, o ano em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil, aprofundando o desinvestimento na cultura.
Este movimento migratório com marca cultural ampliou-se, mas já vinha de trás, mesmo dos chamados “anos dourados” de Lula da Silva. Muitos criadores brasileiros vieram para Portugal para estudar e trabalhar noutros contextos, também por relacionamentos amorosos.
Atravessam diferentes classes sociais, territórios geográficos, percursos pessoais e uma pluralidade de práticas artísticas.
É sabido que a cultura brasileira, enquanto parte de um extenso e diverso território, traz consigo múltiplas características e expressões presentes na música, na dança, nas artes visuais, no cinema, nas telenovelas, na gastronomia, na literatura, na produção científica, na religião, no vocabulário, que compõem a diversidade cultural brasileira.
Há nestes criadores uma tendência forte: fazer arte politizada. Reflexões sobre questões de género, sexualidade, vivências LGBTI, a cultura afro-brasileira, a violência contra mulheres, a história do Brasil, as desigualdades sociais, o racismo, o colonialismo.
É forte a noção do que foi a realidade colonial: Portugal invadiu e colonizou o Brasil, liderando um processo, ao longo de quatro séculos, de tráfico negreiro, escravatura, genocídio e saque, o que marcou, definitivamente, a moldura do Brasil contemporâneo.
Essa é uma realidade que escapava aos portugueses, que mal era abordada nas escolas e que agora, com o impulso da presença brasileira em Portugal, está a entrar na discussão pública.
Instala-se o questionamento, a problematização. São suscitadas, como lhes chama Mariana Duarte, numa investigação no jornal Público, perguntas difíceis.
O que a realidade nos mostra é que são cada vez mais os artistas brasileiros que em Portugal produzem novos diálogos e ruturas dentro de um circuito cultural ainda pouco habituado a olhar criticamente para si próprio.
Das artes visuais às performativas, da música à literatura, estes criadores expõem as relações históricas “tensas” e “complexas” entre os dois países. Ao mesmo tempo que promovem a aproximação e a exploração comum de novos modos criativos.
É uma boa ampliação de horizontes.
Há meio século o português do Brasil entrou nas casas portuguesas com a telenovela Gabriela Cravo e Canela, e as novelas seguintes.
Hoje, há um espaço comum, a contribuir para a boa interação entre portugueses e brasileiros.