Fernanda Queiroz lidera dois programas de assistência social importantes em Victoria, trabalhando com mulheres Aborígenes que saíram da prisão ou em risco de encarceramento, e com moradores de rua.
Líder de equipes da Agência de Assistência Social para a Criança Aborígene de Victoria (VACCA), Fernanda conta que seu objetivo é "apoiar comunidades Aborígines para que elas se desenvolvam culturalmente fortes, seguras e prósperas."
Resumo da notícia
- De a 8 a 15 de novembro a Austrália marca a Semana NAIDOC
- NAIDOC significa “Comitê de Observância dos povos Aborígenes e das Ilhas do Estreito de Torres”
- O tema deste ano é "Sempre Foi, Sempre Será" (Always was, Always will be)
- Fernanda Queiroz é lider de equipes em uma das principais organizações Aborígenes de Victoria e compartilha sua experiência
Fernanda falou à SBS em Português sobre como seu trabalho tenta acima de tudo reconectar comunidades Aborígenes com a própria cultura e como isso a inspirou a manter sua própria identidade mesmo vivendo tão longe do Brasil.
Veja a seguir os principais trechos da nossa entrevista. SBS em Português - A cultura Aborígene é fascinante na minha opinião - na sua, quais os pontos que mais te impressionaram e fizeram que você se dedicasse a essa causa?
Source: AAP Image/Daniel Pockett
A diversidade é o que mais me fascina na cultura Aborígene, sempre. As comunidades e populações Aborígines são muito diversas. Tem muita cultura e riqueza ali. Trabalhar com essa população é um aprendizado constante.
O fato de eu trabalhar para uma organização controlada pela comunidade, o aprendizado é muito maior e o serviço muito mais efetivo. Perceber a importância da identidade cultural na formação e empoderamento do indivíduo tem sido meu maior aprendizado.
A gente vê no dia a dia como é importante sabermos de nossos ancestrais, nossa cultura, nossas tradições
Fernanda e a capoeira: "Logo que comecei a trabalhar com as comunidades Aborígenes, eu entrei para a aula de capoeira, por exemplo. É lá é onde eu me reconecto com minha gente e comigo mesma" Source: Facebook, Supplied
Eu associo a luta pelo reempoderamento que acontece nas comunidades Aborígines aqui com nossa luta lá no Brasil, com o nosso povo indígena e nosso povo preto. Como é importante nos conectarmos com nossas raízes para lutarmos com mais força contra nossos opressores e sobrevivermos todo esse caos.
Logo que comecei a trabalhar na VACCA, eu entrei para a aula de capoeira, por exemplo. É lá é onde eu me reconecto com minha gente e comigo mesma. Lá é onde eu respiro melhor. Se tiver uma roda de samba rolando então, ninguém me segura. E é assim, eu acredito que, mesmo estando tão longe de onde pertencemos, precisamos fazer o melhor possível para nos reconectarmos com nossa cultura e não nos perdermos.
SBS em Português - Conta para a gente um pouco da história por trás da semana Naidoc e qual seu significado?
Fernanda Queiroz - As celebrações da Semana NAIDOC são realizadas em toda a Austrália todo mês de julho para celebrar a história, cultura e conquistas dos povos nativos, esse ano por causa da Covid, a semana será marcada em Novembro.
2020 National NAIDOC Poster Source: 2020 National NAIDOC Poster
Em Janeiro de 1938, enquanto era comemorado o “Dia da Austrália”, manifestantes marcharam pelas ruas de Sydney defendendo os direitos dos povos indígenas. Este dia ficou conhecido como o “Dia de Luto” e tem um grande significado no movimento pelos direitos aborígines e nos movimentos pelos direitos civis em geral.
O “Dia de Luto” passou a acontecer anualmente no domingo anterior ao dia que alguns celebram a colonização da Austrália, em janeiro. Em 1955, esse evento foi alterado para um dia de celebração, e agora celebramos a Semana NAIDOC. Ainda assim, o “Dia de luto” ocorre e é uma cerimonia muito especial, assim como os protestos contra a colonização, em janeiro.
'Ballit Baggarook' que significa 'Mulher Forte’: um dos programas coordenados por Fernanda Source: VACCA
SBS em Português - Você trabalha na VACCA, como Líder de Equipe para os projetos de assistência a moradores de rua e outro, de apoio a mulheres que estão em risco de encarceramento ou que já passaram por isso. Pode resumir um pouco esses dois projetos e o que você faz?
FQ - O Serviço de Assistência Social à população em situação de rua oferece apoio a pessoas Aborígines que estão passando, ou em risco de ficar, sem moradia. Fazemos esse trabalho por meio de uma gestão geral de casos - que pode incluir aconselhamento, resolução de crises, cuidados pessoais, treinamento em habilidades para a vida cotidiana e oferecendo informações.
Com o programa de assistência e apoio às mulheres, trabalhamos com elas por cerca de 1 ano com o objetivo de diminuirmos os fatores de risco que podem fazer com que elas entrem ou retornem para a prisão/sistema judiciário criminal.
Nosso trabalho engloba muitas ações, inclusive a de ir bater um papo com elas ainda na prisão e depois manter o apoio quando elas conseguem sair.
O nosso trabalho tem muito contato físico e isso tem sido um grande desafio durante a pandemia e restrições da Covid, mas a gente continua firme.
SBS em Português - Quem são essas mulheres, qual o perfil? Pode contar alguns casos?
FQ - As mulheres Aborígenes são, proporcionalmente, a população mais encarcerada do país, talvez do mundo.
1/3 das mulheres nas prisões australianas são Aborígenes, mesmo que elas não representem nem 3 % da população.
Essas mulheres carregam um estigma muito grande. Essa situação é inaceitável.
Se eu tivesse que generalizar essas mulheres eu teria apenas três palavras para descrevê-las: Mulheres Aborígines Fortes. Aliás esse é o nome do projeto que eu coordeno na língua local: “Ballit Baggarook” que significa ‘Mulher Forte’.
Muitas desenvolveram alguns distúrbios relacionados com saúde mental, uso de drogas ou dependência química, algumas ficaram com deficiência intelectual por conta da violência e negligência que sofreram. Algumas dessas mulheres são mães, mas em geral tiveram seu direito à maternidade arrancado delas.
A parte mais importante do nosso trabalho é connectar essas mulheres com sua cultura, comunidade, e com elas mesmas. VACCA é a principal organização de bem-estar infantil Aborígene e a maior provedora de serviços de apoio às vítimas da violência familiar Aborígene em Victoria
Em Janeiro de 1938, enquanto era comemorado o “Dia da Austrália”, manifestantes marcharam pelas ruas de Sydney defendendo os direitos dos povos indígenas. Este dia ficou conhecido como o “Dia de Luto” Source: State Library of NSW
Prestamos serviços a crianças, famílias e comunidades aborígenes vulneráveis, que vão desde serviços infantis e familiares, violência familiar, falta de moradia, juventude até programas culturais.
Até 14 de novembro a VACCA estará promovendo uma série de eventos virtuais liderados por várias organizações. No dia 13 de Novembro acontece a Marcha Virtual. Para participar visite
A Semana Nacional NAIDOC (8 a 15 de novembro de 2020) celebra a história, cultura e conquistas dos povos aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres. Junte-se à SBS e à NITV para uma lista completa . Para obter mais informações sobre a NAIDOC Week ou o tema deste ano, visite # NAIDOC2020 #AlwaysWasAlwaysWillBe