A Austrália possui atualmente mais de 600 mil estudantes internacionais e, juntos, eles injetam mais de 30 bilhões de dólares anualmente na economia do país.
A SBS Portuguese conversou com a Marcela Kalckmann, a jovem brasileira de 33 anos que mora em Sydney e testou positivo para o Covid-19 no dia 25 de março.
Na ocasião, a estudante morava com mais oito pessoas num mesmo apartamento e havia sido demitida do seu emprego uma semana antes de receber o resultado do teste.
Atualmente, um mês após testar positivo para o vírus, Marcela está se recuperando em isolamento na sua casa e ainda enfrenta uma inflamação nas costelas, causada em decorrência do Covid-19.
"Eu sou estudante internacional, moro aqui na Austrália há 3 anos e recentemente testei positivo para o Covid-19 durante esta pandemia mundial. Definitivamente não é apenas uma gripezinha, porque eu garanto que os sintomas não são fáceis e a recuperação é bem complicada. Eu nunca me senti tão debilitada em toda a minha vida, com tanta dor no peito e falta de ar. A verdade é que a gente nunca vai saber de onde pegou, quando pegou ou de quem a gente pegou. Estamos lutando contra um inimigo e ele é invisível."
Os sintomas junto com a demissão
"Eu me lembro que os primeiros sintomas do Covid-19 começaram no dia 15 de março com uma diarreia. Aí eu percebi que comecei a piorar no dia 17, quando acordei indisposta, me sentindo muito cansada e com dores em todo o corpo.
No dia seguinte, quarta-feira do dia 18 de março, as dores começaram a ficar ainda mais intensas, o meu peito queimava e eu sentia muita falta de ar. Eu decidi tomar um anti-inflamatório e eu fui trabalhar mesmo assim, afinal, estamos no meio de uma crise mundial e eu não poderia correr o risco de perder o meu emprego. Porém, pra minha surpresa, eu fui demitida junto com os outros funcionários da fábrica na quinta-feira do dia 19, depois de ter trabalhado lá durante dois anos seguidos. Obviamente o desespero foi grande, ainda mais porque neste mesmo dia eu percebi que havia perdido totalmente o meu paladar e olfato.
Enquanto eu procurava por outro emprego, na terça-feira do dia 24, eu assisti um vídeo de um médico que eu sigo no Instagram alertando que os novos sintomas ocasionados pelo Covid-19 eram justamente a falta de paladar e de olfato. Pois é, foi somente aí que eu comecei a desconfiar que talvez pudesse estar com o vírus."Marcando o exame
A comida enviada pela prefeitura à Marcela: apoio importante em um momento dificil Source: Arquivo Pessoal
"Na mesma hora eu liguei para o GP (clínico-geral) e, depois de relatar todos os meus sintomas, ele conseguiu marcar uma consulta no mesmo dia pra mim. E devido a suspeita de que eu pudesse estar com o Covid-19, eu tive que ser atendida do lado de fora da clínica, pois eu não poderia ter contato com nenhum outro paciente. Também me pediram pra usar máscara e, depois da consulta, eu fui enviada imediatamente para o St Vincent’s Hospital para fazer o exame. O teste que eu fiz foi feito pelo nariz, é um cotonete gigante que enfiam nas suas duas narinas e dói muito pra fazer.
Depois do exame a enfermeira falou que o resultado sairia em até 72 horas e que eu deveria ficar em isolamento total a partir deste momento. Se o resultado fosse negativo eu receberia um SMS, ou se o resultado fosse positivo eu receberia uma ligação dentro deste período. "
O resultado
O meu telefone tocou já no dia seguinte, 25 de março, e era o médico do St.Vincent Hospital. Eu perguntei “Deu positivo né, doutor?”, aí ele falou “Sim, deu positivo”.
Eu nem sei te explicar o que senti naquele momento. Se por um lado eu estava aliviada por finalmente saber o que eu tinha, por outro lado fiquei muito preocupada com tudo o que poderia acontecer a partir daí. Como ficaria a minha saúde depois disso? Como contar pra minha família do outro lado do mundo? Como fazer isolamento num apartamento com 9 pessoas morando dentro dele? Como eu pagaria as minhas contas estando sem emprego? Como ficaria o meu visto e a minha situação neste país?"
Ligação da prefeitura
"Eu recebi uma ligação da prefeitura no dia 28 de março, três dias depois do meu teste positivo para o Covid-19. Eles me fizeram diversas perguntas, como desde quando eu havia começado a sentir os primeiros sintomas; com quem eu havia estado nas últimas semanas; em quais lugares eu havia frequentado, além de pedirem nomes completos e telefone de todos, inclusive, dos meus flatmates (colegas de república). 'E já avise que eles também não podem sair de casa, pois eles estão em quarentena também', me disseram.
O clima aqui dentro de casa ficou bastante tenso e as pessoas ficaram assustadas, porque até então era uma realidade que não havia batido na nossa porta, né! Naquele momento eu estava dividindo o parlamento com mais oito pessoas, porém, atualmente somos em apenas seis. Três retornaram para o Brasil."
Visita da polícia e ajuda da prefeitura com alimentos
"Depois disso eu acabei recebendo uma ligação da polícia, pois é claro que isso traria consequências. Eles fizeram algumas perguntas e depois vieram pessoalmente aqui em casa, me pediram pra eu ir até a porta, me olharam e depois foram embora. O intuito era saber se eu realmente estava aqui fazendo o isolamento.
Houve também uma outra ligação, mas desta vez foi uma pessoa do Council (prefeitura). Ela ligou pra minha amiga que mora comigo, pois ela é o meu ponto de contato, perguntando como ela estava e quantas pessoas moravam atualmente na minha casa. Depois disso, no dia 31 de março, chegaram quatro caixas de comida aqui. Eu achei esta iniciativa super válida e bacana."
Ajuda da comunidade brasileira e sequelas do vírus
"Eu tenho recebido muita ajuda de brasileiros que ficaram sabendo do meu caso e graças a Deus eu também tenho muitos amigos. Isso me motiva muito, me traz força, motivação e enche o meu coração de gratidão para que a minha recuperação seja mais rápida.
Atualmente, quase 30 dias após testar positivo pro Covid-19, eu ainda estou em recuperação, pois o vírus acabou causando uma inflação nas minhas costelas e ainda sinto muita dor para respirar. Ou seja, estou parcialmente curada, mas ainda apresento sequelas deixadas pelo coronavírus."
Situação atual como estudante internacional
"Ser estudante internacional na Austrália já não é fácil, pois todo mundo aqui batalha muito, mesmo já vindo com a renda financeira comprovada. E estando doente e longe da família, a gente fica ainda mais vulnerável, né.
Eu acredito que muitas pessoas estão vivendo o mesmo dilema atualmente: “Eu fico em casa fazendo quarentena pra não pegar o vírus, ou vou para as ruas pois preciso trabalhar para pagar as contas?”.
Na verdade todos aqui pagamos impostos, independente de sermos estudantes internacionais, residentes permanentes ou cidadãos. Sendo assim, a ajuda do governo deveria ser para todos. Na minha opinião, o governo deveria olhar para nós como seres humanos, e não somente como números.
E o que eu desejo? Eu desejo boa sorte, porque a gente vai ter que enfrentar esse momento juntos e com solidariedade. E sinceramente, eu só espero que tudo isso acabe logo, que eu fiquei saudável em breve e possa voltar a estudar, trabalhar e a dar continuidade ao meu sonho australiano, pois apesar das dificuldades, eu não vou desistir."
Recentemente, o primeiro ministro Scott Morrison disse que os estudantes internacionais que não conseguem se manter financeiramente aqui, devem retornar para os seus países de origem o mais rápido possível.
Até o encerramento desta reportagem, a Austrália conta com 6.625 casos confirmados e 72 mortes.
Roteiro e Reportagem: Felippe Canale
Imagens e Edição do vídeo: Marlon Moro e Felippe Canale
Produção do artigo online: Fernando Vives
As pessoas na Austrália devem ficar pelo menos a um metro e meio de distância dos outros e encontros estão limitados a duas pessoas, a não ser que esteja com a sua família ou em casa.
Se você acredita que pode ter contraído o vírus, ligue para o seu médico, não o visite, ou ligue para a Linha Direta Nacional do Coronavírus no número 1800 020 080.
Se você estiver com dificuldades para respirar ou sofrer uma emergência médica, ligue para 000.
A SBS traz as últimas informações sobre o coronavírus para as diversas comunidades na Austrália.