Docente da Western Sydney University, em Nova Gales do Sul, o brasileiro Jorge Knijnik é professor associado da Faculdade de Educação e pesquisador sênior do Centro de Pesquisas Educacionais (CER) e do Instituto de Cultura e Sociedade (ICS).
Jorge nasceu em Porto Alegre, possui graduação e mestrado em Educação Física e doutorado em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo, onde foi docente por muitos anos.Em 2009, Jorge imigrou para a Austrália com seus quatro filhos pequenos e sua esposa. Jorge é autor e organizador de vários livros, sendo os mais recentes The World Cup Chronicles: 31 Days that Rocked Brazil (Fair Play); Embodied Masculinities in Global Sport (FIT Publishing); Gender and Equestrian Sport: Riding around the World (Springer); Gênero e Esporte: Masculinidades e Feminilidades (Apicuri); Meninas e meninos na educação física: gênero e corporeidade no século XXI (Fontoura) e Handebol (Odysseus).
Source: Supplied/ Jorge Knijnik
Ouça aqui o podcast da entrevista com Jorge Knijnik sobre as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016:
Rio 2016: "Brasil mostra suas caras: festa, protestos, esporte e exclusão social"
Recentemente, Jorge lançou seu mais novo livro "Histórias Australianas: Cultura, educação e esporte do outro lado do mundo", onde conta um pouco sobre a vida na Austrália nas mais diversas esferas e os caminhos para se integrar como imigrante na sociedade australiana."A nossa vida é feita de histórias. São as histórias que dão a direção para os nossos sonhos e daí a gente faz acontecer as coisas. Então, eu pensei que era realmente importante contar para os brasileiros e para todo mundo que fala a língua portuguesa, as histórias daqui, tanto minhas e da minha família, como as histórias dos primeiros habitantes Indígenas, dos refugiados, dos animais, da natureza, dos incêndios, da cidadania, o multiculturalismo, a democracia", disse Jorge.
Capa do livro "Histórias Australianas: Cultura, educação e esporte do outro lado do mundo" (2021) de Jorge Knijnik. Source: Supplied/ Jorge Knijnik
Confira abaixo entrevista, na íntegra, de Jorge Knijnik à SBS em Português:
SBS – Em uma das histórias de seu livro você até explica a diferença entre a bola redonda e a bola achatada aqui no futebol da Austrália, é isso?
Jorge Knijnik – Eu faço esse paralelo entre os mundos dos “futebols” na parte de esporte. Eu faço um paralelo entre o nosso futebol do Brasil e outros tipos de futebol que têm por aqui.
SBS – Qual é a importância do futebol na integração dos brasileiros na vida australiana?
Jorge Knijnik – Eu acho que não só o futebol, mas também o esporte em geral. Por isso, eu dou bastante importância para o esporte. Como você bem disse, meu livro está dividido entre três partes: Cultura, Educação e Esporte. E a parte do Esporte, que tem 7 capítulos, eu dou bastante ênfase. Entender e participar do fenômeno esportivo nos diversos níveis, incluindo a participação em clubes comunitários, eu acho essencial para você entender e fazer parte das comunidades australianas. O exemplo que eu dou, que inclusive está na parte de Educação. Assim que eu cheguei aqui na Austrália com meus filhos ainda pequenos participando dos esportes comunitários. Daí teve uma grande catástrofe em Brisbane, uma inundação com centenas de casas destruídas e invadidas pela água. E quando a situação melhorou um pouco, milhares de australianos foram lá para ajudar as pessoas com o que precisasse. E a agente ficou sabendo disso através do clube de base aqui do bairro que ajudou quem pudesse ir até o local ou ajudar de alguma forma. Os clubes são todos voluntários, então fazer parte disso a ajuda a gente a se integrar bastante. Não é só o esporte, mas também a integração social e entender as diversas culturas que estão em jogo aqui. E acho que isso é a grande importância do esporte nas comunidades australianas.
SBS – Mas, começando pelo início Jorge, por que você decidiu escrever esse livro?
Jorge Knijnik – Essa é uma pergunta interessante. Eu diria que foram três pilares que me motivaram a escrever esse livro. De um lado uma questão bem objetiva e de outro uma visão de mundo minha e de outro uma música brasileira. A questão objetiva é que antes de me mudar para a Austrália eu já acadêmico e professor universitário no Brasil, tive milhares de alunos e dei centenas de cursos Brasil afora, e mesmo depois de quase 12 anos aqui na Austrália, não tem uma semana em que eu não recebo uma mensagem de alguém, um ex-aluno, um colega, perguntando como vir para trabalhar ou estudar aqui. E eu fui acumulando essas mensagens e fui percebendo que as pessoas tinham muitas dúvidas semelhantes, que não estavam na internet, dúvidas sobre a cultura mesmo, de entender como funcionam as universidades aqui. E daí eu pensei que deveria explicar para as pessoas como é que funciona a coisa de verdade, muito além de um manual. E daí entra também a questão da visão de mundo. A nossa vida é feita de histórias. São as histórias que dão a direção para os nossos sonhos e daí a gente faz acontecer as coisas. Então, eu pensei que era realmente importante contar para os brasileiros e para todo mundo que fala a língua portuguesa, as histórias daqui, tanto minhas e da minha família, como as histórias dos primeiros habitantes Indígenas, dos refugiados, dos animais, da natureza, dos incêndios, da cidadania, o multiculturalismo, a democracia. Então, quis fazer um paralelo entre as histórias que constroem nossa vida no dia a dia e foi isso que me motivou. E a música do Milton Nascimento “Notícias do Brasil”, tem um verso que diz: “ficar de frente para o mar e de costas para o Brasil não vai fazer desse lugar um bom país”. Esse é o paralelo que eu faço. Tem muita gente que vem para cá e acaba ficando nos lugares na frente do mar em Bondi, ou na Federation Square, em Melbourne e acaba não conhecendo as histórias do que acontece aqui, seja na escolinha do bairro, ou indo em um jogo de esporte diferente, como o AFL, ou fazendo um curso com pessoas que não falam português e entrar nesses desafios. Então, contar essas histórias que eu acho que me motivou a fazer o livro. As narrativas não dão um passo-a-passo, mas dão um conhecimento mais aprofundado para aquela pessoa que esteja querendo conhecer a Austrália ou imigrar para cá.
SBS – Você acha a situação fora de controle da pandemia no Brasil vai prejudicar a vinda de brasileiros para a Austrália no futuro?
Jorge Knijnik – Não acho isso. Eu acho que os protocolos aqui estão muito rígidos no momento, mas quando abrir os protocolos serão claros: as pessoas terão que ter prova de sua vacinação, provavelmente vão ter que passar por quarentena, e a partir daí eu acho que vai ser o mesmo protocolo que vai ter para outros grupos de outros países.
SBS – Eu acho que você está certo. O Brasil é o quinto país com maior número de estudantes estrangeiros na Austrália. É um mercado importantíssimo para a Austrália.
Jorge Knijnik – Eu até comento no meu livro e falo da importância de conhecer os aspectos da cultura, educação e do esporte vai ser um diferencial para quem quiser vir, seja para estudar ou para morar, porque eu acho que é o perfil que a Austrália vai estar procurando. Pessoas com mais informação que possam se integrar e participar da sociedade de uma forma mais ativa já tendo esse conhecimento. Por isso, essas questões que eu abordo no livro vão acabar ajudando as pessoas a virem e participarem na vida das comunidades australianas.
SBS – Para quem está pensando em imigrar para a Austrália, qual a principal coisa para se ter em mente para se preparar para chegar na Austrália?
Jorge Knijnik – Eu acho que é ter em mente que aqui não é o Brasil que deu certo e nem o Brasil que deu errado. Não tem comparação. As pessoas falam que porque tem praia, tem sol e tem surf é o Brasil que deu certo. Não tem isso. São várias comunidades diferentes, mas cada uma com sua peculiaridade. Então, a dica que eu dou é: tente participar da sua comunidade local quando você chegar ou mesmo via internet, se for o caso. Não ficar restrito ao seu pequeno grupo brasileiro ou da sua pequena comunidade. Assim você acaba se desafiando, conhecendo novas pessoas, conhecendo outros tipos de inglês. Não existe inglês certo ou errado. Existe o inglês brasileiro, o inglês australiano, o inglês indiano. E, se abrindo para essa mentalidade de viver essa diversidade cultural que esse apresenta é a grande sacada para você absorver tudo o que pode aqui.
SBS – E falando sobre apresentar a Austrália real para os brasileiros e de acabar com os mitos e as imagens destorcidas, uma coisa que eu observo, e gostaria de saber se você concorda, é que a maioria dos brasileiros que chega aqui criticando o Brasil assistencialista. E na verdade, a Austrália é um país extremamente assistencialista. Você concorda que há esse descompasso entre a visão e a realidade?
Jorge Knijnik – Concordo totalmente. Eu até escrevi um artigo sobre isso, que mais me chamou a atenção quando eu cheguei aqui. Quando você imigra existem surpresas dos diversos tipos, mas a minha surpresa foi ser respeitado como cidadão pelo estado. Um estado forte, com uma saúde forte, com o que você chama de assistencialismo - que eu não acho que seja assistencialismo, acho que é um direito das pessoas – com a educação pública e o orgulho das pessoas têm em dizer que são professores de escola pública, sou orgulhoso de ser diretor de escola pública. Eu me lembro que logo no começo quando eu cheguei aqui eu recebia algo parecido com o “bolsa família”, e como eu sou pai de trigêmeas tinha um auxílio a mais por nascimento de múltiplos. Quando eu fui renovar esse auxílio eu vi que não estavam me pagando. Daí eu liguei no Centrelink e expliquei minha situação e eles disseram que me ligariam de volta no dia seguinte. E não deu outra, no dia seguinte me ligaram para dizer que houve um erro e que não tinham me pagado o benefício o ano inteiro e que eu iria receber tal quantia em cinco dias úteis. No dia seguinte já estava na minha conta. Eu não acho isso assistencialismo, eu acho isso um direito do cidadão. Então, se o brasileiro vem para cá com essa mentalidade, eu acho um equívoco. E se não fossem os estados durante a pandemia, com os sistemas de saúde, a situação estaria muito pior.