Já aqui tivemos uma primeira declaração de Xanana Gusmão na visita a Lisboa, a afirmação de que tem maior confiança na relação com a Indonésia do que com a Austrália.
Agora, em entrevista a Bárbara Reis, jornalista e anterior diretora do jornal Público, Xanana mostra-se mais áspero.
Proponho-me ler diretamente a introdução à entrevista com Xanana Gusmão:
Xanana Gusmão, ex-Presidente (2002-07) e ex-primeiro-ministro (2007-15) de Timor-Leste, dá (escreve a jornalista Barbara Reis) um murro seco na mesa.
Estamos no fim da entrevista e o antigo guerrilheiro expõe a razão pela qual não vai pedir ao Governo da Austrália para devolver o Estado timorense pelos milhões de receitas do gás e petróleo indevidamente recebidos por Camberra ao longo de anos.
Até despedir-se irá dar mais um murro.
A chávena do café salta e a colher voa para o chão. Olhos nos olhos, como se estivesse a negociar com o inimigo, o líder timorense — preso sete anos numa prisão indonésia durante a ocupação —, explica porque é que rejeitou ajudar a levar os generais indonésios ao Tribunal Penal Internacional e porque é que não vai “medir os milhões do petróleo com a cumplicidade na morte de 200 mil timorenses”.
“Se vamos olhar só para o dinheiro e não para a falta de moral da Austrália, o que é que vamos fazer?”, pergunta.
Adianta Bárbara Reis: O Tratado entre Timor-Leste e Austrália sobre as Respectivas Fronteiras Marítimas no Mar de Timor assinado em Março de 2018 deverá entrar em vigor a 30 de Agosto.
A data foi escolhida para coincidir com o 20º aniversário do referendo que levou à independência de Timor-Leste. Faltam apenas dois meses e nenhum dos parlamentos o ratificou, pelo que ainda não há certeza.
O tratado, negociado sob auspícios da ONU, fechou o Timor Gap — nome dado à linha do Mar de Timor aberta desde a ocupação indonésia, em 1975, e cuja indefinição impediu Timor-Leste de assumir a soberania sobre essas águas ricas em petróleo e gás, para além do peixe e outros recursos naturais.
Com a linha da fronteira marítima definida pelo tratado, Timor-Leste passou a ter jurisdição total (e 100% das receitas) sobre os campos petrolíferos de Bayun-Undan e Kitan (cujas receitas eram partilhadas com a Austrália) e de Buffalo (que eram explorados a 100% pela Austrália).
“Estamos a falar de milhões de dólares que Timor-Leste perdeu e continua a perder por semana até o tratado entrar em vigor”, disse ao PÚBLICO um especialista que conhece bem o dossier.
O novo tratado definiu também um regime especial para o campo petrolífero de Greater Sunrise, que está fora da área conjunta de desenvolvimento e que é um campo virgem.
A fórmula de partilha final dessas receitas depende de como o Greater Sunrise for desenvolvido.
A questão é se o gasoduto que sairá do Greater Sunrise vai para a Austrália ou para Timor.
Na entrevista, Xanana declara: “A Austrália e a Indonésia assinaram o acordo do Timor Gap em 1989. A invasão de Timor foi em 1975. Andámos 14 anos em guerra. Para dividirem as receitas 50%-50% com a Indonésia, os australianos tiveram de mostrar uma política de conivência com o morticínio em Timor.”
Assim, o atrito entre Xanana Gusmão e a Austrália, exposto na entrevista em Lisboa ao jornal Público.