O repórter da SBS Dateline Amos Roberts conversou com a SBS em português sobre por que ele decidiu retornar ao Brasil – após uma extensa reportagem que fez no país sobre o vírus Zika em 2016 – desta vez para se concentrar nos povos indígenas da Amazônia e seu futuro sob o governo de Jair Bolsonaro.
“É uma história que repercute em todo o mundo: a importância da Amazônia para os efeitos da mudança climática. A luta para proteger a Amazônia tem sido notícia há muitos anos. Eu acho que é também uma história que ressoa na Austrália, em termos da situação dos povos indígenas. Eu senti que muito da retórica que você ouve de Bolsonaro, é o tipo de coisa que você ouvia na Austrália de Pauline Hanson, algo que costumava ser bastante ‘mainstream’ na Austrália há décadas ”, disse Amos.
“Acho que alguns dos sinais preocupantes que vi no Brasil foi o enfraquecimento das agências governamentais que deveriam proteger o meio ambiente e os povos indígenas, como a Funai, o Ibama e o Instituto Chico Mendes, o que vai dificultar o cumprimento da lei brasileira.”
Amos lembra que no passado parecia haver uma falta de compreensão da cultura e dos direitos indígenas. “Tenho certeza de que isso também toca muitas pessoas no Brasil, porque há muitos problemas em termos da luta dos povos indígenas, estatísticas em termos de saúde e educação. Também estamos muito familiarizados com isso na Austrália ”.
Amos focou sua investigação na tribo Munduruku, localizada perto da cidade de Itaituba a beira do rio Tapajós.
“A reportagem analisa o impacto que Bolsonaro pode ter em uma parte específica da Amazônia. Nós decidimos nos concentrar nos Munduruku. Esta é uma comunidade que ainda vive um estilo de vida muito tradicional, e agora seu estilo de vida é ameaçado por várias coisas relacionadas ao desenvolvimento na Amazônia: há uma ferrovia que o governo quer construir para transportar soja, há uma grande hidrelétrica que ameaça o rio que eles pescam e caçam, há exploração madeireira ilegal e mineração acontecendo. ”
“Os Munduruku ainda são caçadores, sua dieta e estilo de vida ainda são tirados da floresta e do rio, fiquei muito impressionado com isso, a falta de bens materiais, a falta de desejo por bens materiais.
“Passamos alguns dias com eles e sua comunidade, e também passamos vários dias no município de Itaituba, com o prefeito de lá. Ele é pró-Bolsonaro e muito empolgado em ter um governo que seja pró-desenvolvimento e que prometeu relaxar as leis rigorosas que restringem a agricultura e a extração de madeira e mineração nessa área. ”
Robert Amos disse que uma das diferenças entre o Brasil e os povos indígenas na Austrália é que no território indígena no Brasil "você não pode ter mineração, não pode ter agricultura comercial, a terra está lá para os povos indígenas utilizarem."
“Para ter direito à terra no Brasil, sob a constituição brasileira, você passa por um processo demorado para que a terra indígena seja demarcada e, uma vez feito isso, entram em vigor muitas proteções para evitar a exploração da terra. A situação dos Munduruku é delicada pois a terra delas não foi demarcada.
“A ministra da Agricultura estava me dizendo: 'mas e se os povos indígenas quiserem se beneficiar do desenvolvimento? E se eles querem mineração? E se eles querem agricultura?'. Meu entendimento é que a maioria das tribos indígenas no Brasil não está nesse ponto, especialmente na Amazônia, onde preferem viver de maneira mais sustentável, em suas terras, sem esse tipo de exploração.
“Na Austrália e na Nova Zelândia, de onde eu venho, os povos indígenas também estão muito envolvidos na mineração, na silvicultura, na pesca dentro de suas terra e equilibram o tradicional e o moderno. No Brasil percebi que era um ou o outro. E o governo está tirando vantagem disso em termos de abrir essas terras”.
Você pode assistir "Brazil’s President versus The Amazon” na SBS Dateline nesta terça-feira, 19 de março, às 21h30.