Salvador nasceu na madrugada desta última quinta-feira, no Serviço de Neonatologia do Hospital de São João no Porto, 56 dias depois de Catarina, a mãe, ter sido declarada em morte cerebral.
Ela, Catarina, a mãe, era uma atleta da canoagem. Tinha 26 anos quando em 20 de dezembro desmaiou em casa, com uma crise aguda de asma. Os serviços de emergência médica acudiram em escassos 10 minutos, mas já nada puderam fazer para a manter viva.
O marido estava junto dela e confirmou aos socorristas que Catarina estava grávida de 19 semanas.
Gerou-se imediatamente o consenso para que Catarina fosse conduzida aos cuidados intensivos e aí mantida com suporte orgânico de vida até se atingirem as condições de maturidade fetal necessárias para a realização do parto.
Tudo foi providenciado para que fosse possível, apesar da morte cerebral da mãe, assegurar a ventilação mecânica, manter a gravidez, fazê-la desenvolver-se e permitir o nascimento com o máximo de segurança. O objetivo era fazer o bebé chegar às 32 semanas, período a partir do qual as taxas de sobrevivência são quase de 100%.
Salvador, o nome escolhido pelo pai e pelos avós, nasceu de cesariana, nesta quinta-feira, com 31 semanas e 6 dias de gestação, às 4h32, com 1,7 quilos, um peso bom para bebé prematuro, segundo os médicos, e mede 40 centímetros.
A médica neonatologista Hercília Guimarães explicou que foi acertado com a equipa de obstetrícia manter o bebé em desenvolvimento (induzido artificialmente do exterior) na barriga da mãe até ser superada a barreira entre o bebé prematuro e o moderadamente prematuro. E que, depois do parto, em cesariana, está bem.
O médico Carlos Lima Alves, diretor clínico do Hospital de São João, confirmou o grande empenho da família para que, apesar da morte de Catarina, o bebé pudesse vir a nascer, no caso, 56 dias depois.
Salvador é o segundo bebé a nascer em Portugal com uma mãe em morte cerebral.
O primeiro, Lourenço, nasceu em 2016 no Hospital de S. José, em Lisboa, depois de a respetiva comissão de ética ter concordado manter a mãe ligada às máquinas até às 32 semanas de gravidez.
Naquele caso, o feto sobreviveu 15 semanas na barriga da mãe que estava em morte cerebral depois de ter sofrido uma hemorragia intracerebral.
Médicos e membros do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, de Portugal, afirmam não ter dúvidas de que prolongar artificialmente as funções vitais da mãe faz sentido, desde que a família concorde, uma vez que há um valor preponderante, que é o de uma vida, a da criança.
O presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, Luís Graça, confirma que optar por deixar crescer um feto no útero da mãe em morte cerebral faz todo o sentido. "Se podemos salvar um ser vivo, não há dúvidas nem discussões éticas a fazer-se". É o que foi feito nos dois casos.
O bebé nascido em 2016 também se chama Salvador, é Lourenço Salvador. Este caso de Lourenço Salvador, que em junho fará três anos, permite o maior otimismo.
O ritmo de crescimento é normal. Integrado numa família emocionalmente estável, de tios-avós paternos com 63 anos de idade, duas primas, de 24 e 30 anos, Lourenço vive tranquilamente na freguesia de Alfragide, às portas de Lisboa.
Frequenta a escola desde o berçário e de acordo com as educadoras demonstra capacidades de aprendizagem ao nível das crianças da sua idade. Em volta dele, dizem que parece uma criança feliz, com os tios-avós a fazerem tudo para que não sinta a falta da figura dos pais.