De maioria católica, os Bayingyi são o mais recentes alvos da Junta Militar.
Desde o golpe militar de 2021, milhares de civis têm sido perseguidos, mortos ou detidos pelos militares; pelo menos 12.417 casas de civis em 296 vilarejos foram incendiadas pelos militares, de acordo com Data for Myanmar (D4M), uma organização não governamental e independente.
‘Paulo, o Bayingyi’, que não é seu nome verdadeiro, conversou com a SBS Portuguese sobre a onda de agressão e violência. Ele falou sob um pseudônimo, pois teme por sua própria vida.
“Entre as casas civis incendiadas pelas forças militares, também estão as nossas aldeias portuguesas histórias Bayingyi, localizadas no Vale Mu, na região de Sagiang,” disse.
Resumo
- O povo Bayingyi é um subgrupo de etnia dos luso-asiáticos e são descendentes de aventureiros portugueses que chegaram à Myanmar nos séculos XVI e XVII.
- Existem aproximadamente cinco aldeias e 100 mil pessoas de etnia Bayingyi em Myanmar. Eles estão agora sob ataque.
- De acordo com Paulo, o regime militar está orientando suas tropas para fazer todo tipo de terrorismo para esmagar a resistência ao seu governo.
- Paulo também teme pela vida do professor de economia australiano Sean Turnell, conselheiro de Aung San Suu Kyi, preso semanas após o golpe militar, em março de 2021.
O povo Bayingyi manteve seu senso de identidade portuguesa e fé católica.
"Eu estou falando com você de Myanmar. Os Bayingyi estão espalhados por todo o país. No entanto, basicamente, cinco aldeias abrigam nossos descendentes de portugueses e há 100 mil pessoas Bayingyi. Nós falamos birmanês," disse Paulo.
De acordo com ele, que não pode revelar sua identidade ou localização por medo de retaliação, os Bayingyi estão sob grande ameaça.
Burned out remains of a house in Myo Thu Gyi Muslim village where houses were burnt to the ground near Maungdaw town in northern Rakhine State Source: AFP
"Desde o golpe militar, faz mais de um ano que os soldados e a polícia em Myanmar não protegem mais nosso povo.
“Sempre que as tropas militares se aproximam das aldeias, os moradores deixam tudo para trás, têm de fugir para sobreviver. Se ficam para trás, por doença ou idade avançada, os soldados atiram em qualquer um dentro de suas casas ou nas ruas, saqueiam as propriedades e queimam as suas casas. Eles fazem essas coisas horríveis para assustar os civis, para que as pessoas se submetam ao regime”, explica Paulo.
Horas depois que Paulo nos deu essa entrevista, outra aldeia Bayingyi foi atacada. Ele nos enviou a seguinte mensagem.
7 de junho de 2022: a tropa militar de 150 soldados e seus associados entraram em Chan-tha-ywa, uma comunidade histórica Bayingyi. Ao entrarem na aldeia, os soldados começaram a disparar. O pároco, as religiosas e os moradores tiveram que correr imediatamente para outra aldeia em busca de segurança. Quando os moradores fugiram, os soldados fizeram sua base na igreja, depois revistaram casa após casa e levaram o que queriam, como ouro e dinheiro ou outras coisas preciosas. Depois de pegarem o que quisessem, começaram a incendiar as casas deliberadamente. Os moradores só puderam olhar, de onde estavam escondidos, suas casas sendo incendiadas. Mais tarde, depois que os soldados deixaram a aldeia, os moradores contaram 117 casas incendiadas, incluindo a casa da minha avó.
Paulo.Em relação à repressão e perseguição de pessoas de outras religiões, como católicos, cristãos e muçulmanos Rohingya, os militares os chamam de “estrangeiros”, explica Paul.
Paulo.
“Whenever the military troops approach the villages, the villagers, leaving everything behind have to run away for their survival. Or else, the soldiers shoot anyone found at home, and loot the properties, and purposely burn the houses. They do these horrendous things to frighten the civilians so that the people may submit themselves to the regime,” says Paul. Source: Paul
Ele se refere a uma antiga caracterização que os militares usaram por décadas para justificar sua interferência na política como se estivessem protegendo o povo birmanês de influências estrangeiras:
'Qualquer um que não esteja com a Junta é uma ameaça estrangeira.'
Onde está o economista e professor australiano Sean Turnell?
Paulo também teme pelo bem-estar do professor de economia australiano Sean Turnell, conselheiro de Aung San Suu Kyi, preso semanas após o golpe militar, em março de 2021.
“Ele foi detido em Nay Pyi Taw, a capital de Myanmar, e o quartel-general militar. Todos os estrangeiros e dissidentes políticos são mantidos lá”, diz Paulo.“Estou muito preocupado com a saúde do senhor Turnell, ele deve estar muito fraco. Como prisioneiro, seria melhor tratado do que os políticos locais; mas mesmo assim temo pelo seu bem-estar e saúde. Não o vejo sendo libertado tão cedo. Ele foi preso porque era próximo de Aung San Suu Kyi."
Source: Data 4 Myanmar
Catholic supporters of Aung San Suu Kyi display placards during an anti-military protest in Yangon, Myanmar. Source: EPA
Semana passada, a Junta anunciou que vai iniciar o julgamento de Sean Turnell. O anúncio foi condenado pelo governo australiano e pela Human Rights Watch.
O primeiro-ministro Anthony Albanese disse que o governo federal continua a pressionar pela libertação de Turnell. "Sean Turnell deve ser libertado", disse ele a repórteres em Sydney no último sábado (11 de junho).
Questionado sobre a resposta da Austrália ao que está acontecendo em Myanmar, Paulo diz que “tem sido muito fraca”.
"Não é suficiente; precisamos de mais ação de qualquer governo australiano que esteja no poder. Eles deveriam ser mais vocais sobre a flagrante violação dos direitos humanos. O país está repleto de refugiados internos e também há necessidade de maior assistência humanitária”, disse ele.“Nenhum lugar é seguro em nosso país. Estamos arriscando nossas vidas todos os dias, eles podem processar, prender você, a hora que quiserem. Não temos lei. A lei é o que sai da boca deles.”
Image sent by 'Paul': "The burning down of houses is done systematically by the military Junta to repress our people" Source: Paul
“Estou arriscando minha vida para falar sobre esse assunto. Agradeço e espero que a comunidade internacional e o governo australiano possam fazer mais para evitar que esses crimes contra a humanidade aconteçam aqui.”
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