'Traduzindo a Transição' é o novo podcast da SBS em Português, no qual falantes da língua portuguesa compartilham as suas histórias em relação à transição de gênero aqui na Austrália. Os episódios são apresentados em português e em inglês.
Neste episódio você vai conhecer a história da brasileira Patrícia Martins, de 34 anos, de Melbourne e que se mudou para a Austrália há oito anos. Patricia atua como psicóloga atendendo crianças, adolescentes e adultos passando por transição de gênero na Austrália.
Resumo do podcast:
- Adolescentes e adultos trans têm uma identidade de gênero diferente daquela que lhes foi atribuída no nascimento.
- Atualmente na Austrália, existem cerca de 45.000 australianos em idade escolar que se identificam como trans.
- Pessoas trans geralmente fazem uma transição social primeiro – mudando seu nome de nascimento e roupas – com algumas passando por cirurgia de redesignação de gênero e outras não.
A famosa bandeira LGBTQI e A bandeira representa a comunidade transgênero e consiste em cinco faixas horizontais: Source: Getty
Segundo Mama Alto, a CEO da Transgender Victoria, uma organização que atua em prol da comunidade trans e de gênero diverso desde a década de 90 na Austrália, “quando alguém habita múltiplas marginalidades; como ser uma pessoa trans e imigrante, ela pode vivenciar os estigmas, discriminações e barreiras desses dois fatores ou identidades ao mesmo tempo”.
A brasileira Patricia Martins é psicóloga e auxilia crianças, adolescentes e adultos passando por transição de gênero na Austrália. Source: Patricia Martins
Experiência profissional
"Durante o processo de validação local do meu diploma de psicóloga na Austrália, fiz estágio em um consultório privado em Warragul, interior de Victoria. Lá eu trabalhei com crianças e adolescentes que se viam questionando sua identidade de gênero. Meu trabalho era tanto com as crianças quanto com seus pais, pois eles ficavam perdidos, sem saber o que fazer com os filhos que se encontravam nessa situação."
Trabalhei (em uma clínica em Warragul) com crianças que questionavam sua identidade de gênero e com seus pais, que não sabiam o que fazer com os filhos nessa situação.
"Eu costumava fazer uma avaliação com as crianças para identificar qualquer diagnóstico e possível disparidade de gênero. Caso essa disparidade fosse confirmada, eu encaminhava essas crianças para a Clínica Monash ou para o Royal Children’s Hospital para uma avaliação mais aprofundada, bem como para iniciar o processo de transição se elas já fossem adolescentes. Atualmente eu atendo pessoas de diversas idades e nacionalidades na minha clinica pessoal."
Diferentes formas de fazer a transição
"Depois que a pessoa é avaliada por profissionais de saúde, o primeiro passo do procedimento médico para iniciar a transição é a terapia hormonal. As cirurgias só são realizadas a partir dos 18 anos."
"É importante pontuar que nem todas as pessoas transgênero ou não-binárias precisam ou optam por cirurgia de afirmação de gênero. Muitas pessoas se sentem satisfeitas apenas por se conhecer e se identificar como transgênero, e com tratamentos não invasivos, como o auxílio de um fonoaudiólogo para modificar o tom da voz, tratamentos cosméticos como Botox, depilação à laser e preenchimentos faciais."
Nem todas as pessoas transgênero ou não-binárias optam por cirurgia de afirmação de gênero. Muitos se sentem satisfeitos apenas por se conhecer e se identificar como transgênero.
"Quando falamos sobre uma transição para outro gênero, o mais importante é como a pessoa está se sentindo sobre si mesma e o seu lugar na sociedade."
Início da construção de gênero
"A construção de gênero ocorre cedo na vida de todo ser humano, quando a pessoa ainda é um bebê. Os pais, inconscientemente, replicam para seus filhos as regras sociais que conhecem sobre gênero, dizendo que um menino deve brincar com carrinho e uma menina com boneca, por exemplo. Ou que meninos não choram e devem usar a cor azul, e as meninas devem ser delicadas e usar a cor rosa."
A construção de gênero ocorre cedo na vida de todo ser humano, quando a pessoa ainda é um bebê.
"Quando uma criança é exposta apenas a um determinado tipo de brinquedo ou roupa, ela não pode explorar outras alternativas e tende a aprender que essas são 'as regras' a serem seguidas."
A transição de gênero de um imigrante na Austrália
"Um imigrante pode encontrar muitos desafios para se aceitar e iniciar o processo de transição, principalmente devido aos valores sociais que aprendeu em seu país de origem. Muito do que uma pessoa é, sua identidade, é influenciada pelo ambiente em que vive. Na maioria dos países latinos, o machismo e o sexismo estão profundamente cravados na sociedade, portanto, é muito mais difícil para elas serem aceitas como pessoas transgênero ou passarem pelo processo de transição."
Um imigrante pode encontrar muitos desafios para se aceitar e iniciar o processo de transição, principalmente devido aos valores sociais que aprendeu em seu país de origem.
"Gosto de usar o Brasil para exemplificar essa dificuldade pois o país ocupa o primeiro lugar no mundo no consumo de pornografia de transgêneros e travestis (segundo dados do PornHub de 2019) mas também é o país onde mais mulheres trans são assassinadas no mundo. Em outras palavras, no Brasil, quando uma mulher trans está no dia-a-dia, ela não é aceita e é vítima de violência principalmente pelo machismo. Porém, são esses mesmos homens que perpetuam o machismo que acabam objetificando as mulheres trans e usando os seus corpos para satisfazer os seus próprios prazeres de maneira oculta e sigilosa."
"Dado este exemplo, imagine uma pessoa transgênero vindo de um país latino-americano para a Austrália. Essas pessoas encontrarão um ambiente mais receptivo, onde se sentirão mais à vontade para explorar quem são e quem desejam ser."
O feminismo e as mulheres trans
"O feminismo tem diferentes vertentes, com diferentes valores e ideais em cada um desses ramos. O feminismo que sigo e acredito é o feminismo interseccional, que acredita que cada pessoa tem seus próprios desafios com opressão e discriminação."
"Quando falamos de mulheres trans, elas sofrem duas vezes mais discriminação e opressão do que mulheres cisgênero e não têm sua voz ouvida. É importante que as mulheres cis ouçam e expressem a dor das mulheres trans também."
Quando falamos de mulheres trans, elas sofrem duas vezes mais discriminação e opressão do que as mulheres cisgênero. Elas não têm sua voz ouvida.
Dar voz às minorias
"Idealmente, devemos impor limites aos homofóbicos e transfóbicos. Muitas pessoas são assim devido à educação que tiveram dos seus pais machistas, homofóbicos e transfóbicos. Eles aprenderam que isso é o certo e passam a replicar este comportamento preconceituoso sem pensar. Nós precisamos de uma revolução para garantir que as minorias sejam ouvidas, aceitas e integradas na sociedade."
O que é ser transgênero, cisgênero ou não-binário
"Uma pessoa trans é uma pessoa que não se identifica com seu sexo no nascimento. Há uma discrepância entre seu gênero e o sexo que lhes foi atribuído no nascimento."
"Uma pessoa cisgênero é uma pessoa que se identifica com o sexo que lhe foi atribuído no nascimento. Há uma correspondência entre seu gênero no nascimento e sua identidade de gênero atual."
"Uma pessoa não-binária é alguém que não se identifica nem com o gênero 'masculino' nem com o 'feminino'. Ela pode ser ambos ou nenhum deles, pois enxerga a identidade de gênero como algo mais amplo do que a binariedade."
Importância do processo terapêutico para pessoas trans
"Quando se trata do processo terapêutico, a maioria das pessoas trans não precisa de ajuda para lidar com sua identidade, pois na verdade, elas já sabem quem são e se aceitam perfeitamente. As pessoas trans podem precisar de apoio para começarem a transição para sua identidade de gênero, para se assumirem para seus entes queridos, e principalmente para lidar com as pessoas transfóbicas que possam 'enfrentar' no dia-a-dia."
As pessoas trans podem precisar de apoio principalmente para lidar com pessoas transfóbicas que tenham que 'enfrentar' no dia-a-dia.
'Traduzindo a Transição' é uma série em três episódios da SBS em Português disponível em português e em inglês.
Para ouvir o podcast completo deste episódio em português é só clicar no botão play da imagem que abre este artigo.
Você também pode assistir ao vídeo com a Patricia:
Para acessar o primeiro episódio da série, com a história da Wendlle Simões, brasileira que iniciou a transição de gênero na Austrália há quase quatro anos, clique .
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Produção: Felippe Canale para a SBS em Português
Vídeos e fotos: Marlon Moro
Artigo online: Mariana Gotardo
Arte da série: Oliver Vincent Reyes, Vincent Art & Designs