Dados do Instituto Australiano de Estatísticas apontam que em junho de 2020 havia mais de 7 milhões e 600 mil imigrantes vivendo na Austrália. 29.8% da população do país de pessoas nascidas em outros países.
A multiculturalidade da Austrália se reflete nas populações dos estados e territórios. Segundo dados do Censo de 2016, a índice de habitantes do estado de Victoria nascidos no exterior era de 31%, um dos mais altos do país.
Para atender as demandas das comunidades mais diversas que integram a população australiana, existem vários órgãos no país voltados a identificar os problemas e as necessidades dessas comunidades.
Um deles é a Comissão Multicultural de Victoria, órgão independente criado em 1983 que tem como objetivo conectar comunidades e governo.
No mês de setembro de 2021, a portuguesa Silvia Renda, imigrante que chegou na Austrália há 30 anos e há 25 atua juntos às comunidades de língua portuguesa como um elo com os governantes, passou a integrar a Comissão.
Silvia conta que já integrava um grupo consultivo que faz parte da comissão, o Regional Advisory Council (Conselho Consultivo Regional), e nesse período teve a oportunidade de conhecer o trabalho da comissão. Quando abriram vagas para novos comissários, Silvia decidiu se candidatar e passou por um processo difícil e muito concorrido. Ela submeteu sua candidatura no final de fevereiro e em agosto recebeu a confirmação de que tinha sido escolhida para integrar a comissão.
Quem são os comissários
Os comissários, alguns que chegaram na Austrália como refugiados, são todos imigrantes ou filhos de imigrantes de países e culturas diferentes, e de diferentes crenças e religiões. Eles representam as diversas comunidades do estado de Victoria, apesar de serem apenas 12 pessoas. A comissão não ter postos suficientes para contemplar todas as culturas e nacionalidades existentes no estado, mas Silvia conta que os comissários trabalham juntamente com as mais diversas comunidades, e que todos têm anos de experiência de trabalho junto a comunidades e poder público.
O trabalho dos comissários, segundo Silvia, é fazer consultas com as comunidades e grupos de diferentes religiões para entender os anseios e desafios de cada grupo. Os Conselhos Consultivos Regionais estão espalhados por todo o estado. Sãos os integrantes desses conselhos que levam informação à comissão e ao governo. Assim, a comissão pode sugerir soluções ao governo e às próprias organizações comunitárias.
Silvia também destaca que um papel importante da Comissão Multicultural de Victoria é promover a diversidade cultural, linguística e religiosa através de eventos e prêmios de reconhecimento. O governo também oferece subsídios para organizações comunitárias. E a comissão pode analisar a necessidade de comunidades específicas receberem esse tipo de benefício.
A comissão busca promover a participação de todos os cidadãos, independente das suas origens ou crenças, e segundo Silvia, rejeita qualquer tipo de discriminação ou perseguição. Ela afirma que “esses valores se enquadram muito bem comigo. Essa foi uma das razões pelas quais eu me candidatei a esse cargo. Meu objetivo é fazer o melhor possível e me aproximar da melhor forma das comunidades. Não só as de língua portuguesa mas também outras comunidades que vivem no estado de Victoria."
Desafios e conquistas da Comissão
Silvia conta que quer contribuir para uma sociedade melhor, que valoriza as diferenças das pessoas. E também quer contribuir com as políticas relacionadas às comunidades multiculturais.
Ela diz que com a COVID-19, o maior desafio que a comissão tem é fazer chegar informações importantes às comunidades. “Em parceria com grupos comunitários e organizações, a comissão tem trabalhado muito nos últimos 18 meses para fazer chegar informação importante tantos às comunidades quanto ao estado. Para poder informar ao governo do estado de Victoria sobre as necessidades das comunidades e fazer chegar informação que possa alterar a forma como o estado se aproxima das comunidades.”
Mas há outros desafios que Silvia destaca sobre o trabalho da comissão, como fazer com que os serviços do estado sejam adaptados para chegar de uma forma melhor às comunidades, através, por exemplo, de informação traduzida em várias línguas, da busca pelo envolvimento das comunidades nas decisões que vão afetar a população.
Em quase 40 anos de existência, Silvia acredita que a comissão conseguiu muitas conquistas para as comunidades multiculturais do estado, como por exemplo fornecer informações ao governo sobre o que é apropriado para as comunidades no momento da criação de serviços voltados para esses grupos, dar mais visibilidade às necessidades das comunidades, e conseguir fazer modificações nas leis e políticas relacionadas a essa população.
Mais participação da comunidade de língua portuguesa
Silvia espera que as comunidades de língua portuguesa se aproximem mais da comissão e do estado, pois na opinião dela, os falantes nativos de português em Victoria estão um pouco afastados dos serviços e dos apoios disponíveis para eles. “Estou nesse cargo como comissária e gostaria de ouvir dos grupos comunitários e das pessoas individuais. Estou sempre pronta a falar com as pessoas da nossa grande comunidade de língua portuguesa. Gostaria de fazer chegar suas necessidades tanto à comissão quanto ao estado de Victoria.”
Silvia explica que para as comunidades se aproximarem da comissão, basta se juntar aos grupos consultivos (Regional Advisory Councils). Segundo ela, ao fazer parte desses grupos fica mais fácil falar aquilo que consideram importante para suas comunidades. Também é possível entrar em contato direto com a comissão através . Silvia também destaca que é importante ler sobre a comissão e o trabalho que ela faz.
Mais voz para os imigrantes
Perguntada sobre progresso para as comunidades multiculturais em Victoria nesses quase 40 anos de atuação da comissão no estado, Silvia diz que hoje existe mais promoção e divulgação das necessidades das nossas comunidades. “Quando cheguei aqui, 30 anos atrás, senti uma grande diferença. Foi muito difícil me incorporar na sociedade, mesmo na escola. Eu era uma imigrante com 16 anos e foi um processo bastante difícil. Eu imagino que muita gente na comunidade tenha passado por essa fase também."
Quando cheguei aqui, 30 anos atrás, senti uma grande diferença. Foi muito difícil me incorporar na sociedade, mesmo na escola. Eu imagino que muita gente na comunidade tenha passado por essa fase também.
Silvia acredita que agora exista mais apoio, por exemplo, às comunidades de países que estão em guerra, mas que há sempre mais a se fazer, e o trabalho da comissão não terminou. “A voz das comunidades tem que ser ouvida mais e mais ao longo dos anos.”
Experiência de trabalho junto às comunidades
Silvia fundou e foi presidente da Organização de Comunidades dos Falantes da Língua Portuguesa em Victoria, integra o Conselho da Comunidade Portuguesa, um órgão global, fundou e preside a Associação Australiana de Mulheres Portuguesas, uma rede de apoio às mulheres que falam português na Austrália, e tem um vasto trabalho junto às comunidades, defendendo os interesses de imigrantes, que muitas vezes não tem voz e não sabem como buscar seus direitos.
Segundo Silvia, ela trabalha justamente para dar voz a quem não tem e levar informação a quem precisa, sobre diretos, serviços e benefícios disponíveis. “Algumas pessoas não sabem falar a língua, outras não tem literacia suficiente para comunicar as suas necessidades. Eu percebi quando cheguei na Austrália, há 30 anos, e nos últimos anos também, que não é fácil para as comunidades multiculturais terem apoio ou uma voz ativa. Também vejo injustiças relacionadas à discriminação e perseguição de certos grupos, seja por sua origem ou pela fé. Fico muito revoltada com essas injustiças e quero fazer uma diferença nesse sentido. É isso que me motiva a trabalhar cada vez mais. Eu não sei viver de outra forma."
Não é fácil para as comunidades multiculturais terem apoio ou uma voz ativa. Também vejo injustiças relacionadas à discriminação e perseguição de certos grupos, seja por sua origem ou fé. Fico muito revoltada com isso e quero fazer uma diferença nesse sentido.
Para Silvia, “todos temos uma responsabilidade individual de nos apoiarmos e ajudarmos uns aos outros, afinal, somos todos imigrantes.Eu percebo a dificuldade das pessoas. Eu entendo porque também já as vivi. E continuo a viver, com meus pais que tem dificuldade com a língua inglesa. Vejo membros da comunidade portuguesa com grande dificuldade em entender os seus direitos. Eu acho que tenho uma responsabilidade de partilhar o que sei sobre os serviços e como as coisas funcionam, de partilhar esse conhecimento com outras pessoas.”