Mãe solo imigrante na Austrália: para Fernanda Queiroz, subsídios do governo são bons mas não estimulam mulheres a se desenvolverem no mercado de trabalho

Fer e Lenin

Fernanda, que é mãe solo do Lenin e mora em Melbourne há sete anos, acredita que a sociedade e as instituições deveriam ser mais inclusivos para crianças. Source: Supplied

A assistente social Fernanda Queiroz Santos, de 40 anos, mãe do Lenin, de 9, mora na Austrália há sete anos. Ela afirma que a sociedade ganharia muito sendo mais inclusiva com mães solo e seus filhos. "Precisamos de uma comunidade inteira para criar crianças. É preciso tirar um pouco o fardo das mães"


As mães solo ao redor do mundo podem enfrentar dificuldades semelhantes como conciliar trabalho, cuidados com os filhos e a casa sem ter alguém com quem dividir essas tarefas, e ser a única fonte de renda da família.

Mas as mães solo imigrantes podem enfrentar ainda mais desafios, como a distância da família e a falta e uma rede de apoio, o que pode gerar desgaste físico e emocional.

Vale lembrar que as mães solo são mulheres que além de exercer a maternidade tem seus projetos, desejos e necessidades enquanto indivíduos.

Na opinião de quem vive essa realidade na pele, o que pode ser feito pelo poder público e pela sociedade para que essas mulheres tenham uma vida que vá além dos cuidados com os filhos, a casa e os compromissos de trabalho?

Essa é a segunda entrevista de uma série com mães solo imigrantes na Austrália.  Para ler e ouvir a primeira entrevista, com a tatuadora Julia Harger, de 35 anos, mãe da Dominique, de 6, clique no link abaixo:
A assistente social brasileira Fernanda Queiroz Santos, de 40 anos, é mãe do Lenin, de 9, e mora em Melbourne há sete anos. Ela trabalha tempo integral, e diz que tem que ter horários regrados para que os dois possam fazer outras atividades além do trabalho e dos estudos. Lenin faz aulas de futebol, Fernanda faz capoeira. Eles também gostam de passear e encontrar com os amigos.

Depois da pandemia, Fernanda passou a trabalhar um pouco de casa, e por isso consegue buscar o Lenin na escola no horário regular dois dias na semana. Nos outros dias ele fica até um pouco mais tarde, no horário estendido, até as 17h30, quando Fernanda o busca e o leva direto para o futebol.
Fernanda e Lenin
Fernanda tem uma rotina bem regrada com o filho Lenin para sobrar tempo livre para os dois fazerem atividades extras e de lazer, como capoeira. Source: Supplied
Sobre a distância da família e do Brasil, ela diz que faz bastante esforço para desenvolver boas amizades que ajudam um pouco a superar as dificuldades em decorrência da distância. “Mas no Brasil nem se compara. É tudo mais informal. Tenho irmão, sobrinhos, primos. É todo mundo muito próximo. As pessoas simplesmente iriam incluir o Lenin em tudo.”

Fernanda conta que em Melbourne tem que ser tudo mais planejado e organizado com antecedência para que algum amigo ou amiga fique com o Lenin para ela fazer alguma outra coisa. Ela diz que sempre tem em mente a preocupação de que se ela ficar doente, sofrer um acidente ou algo do tipo, vai ter que encontrar alguém para cuidar do filho.

Ainda sobre estar longe da família, Fernanda destaca que “o Lenin é muito apegado com a minha mãe, a avó dele. Antes da pandemia ela vinha para cá com bastante frequência. E ajudava bastante na rotina. Essa proximidade da família é muito importante em termos práticos, afetivos e emocionais também. A gente sente uma segurança bem maior tendo a família presente para poder contar.”
O Lenin é muito apegado com a minha mãe, a avó dele. Antes da pandemia ela vinha para cá com bastante frequência e ajudava bastante na rotina. Essa proximidade da família é muito importante em termos práticos, afetivos e emocionais também.
Ao falar sobre a forma como a sociedade e as instituições poderiam oferecer mais apoio às mães solo na criação dos seus filhos, Fernanda afirma que tudo deveria ser mais inclusivo para filhos de mães solo, e para as mães também. “Eu sempre aviso na escola do Lenin que eu crio meu filho sozinha, então preciso de compreensão, flexibilidade e do apoio deles. Eles não podem construir o sistema educacional pensando que todas as crianças são criadas por pais e mães, que tem o mesmo ‘modelo’ de família.”

A impressão que Fernanda tem é de que na Austrália as crianças não são muito bem-vindas. Ela considera que no Brasil as crianças são muito mais bem-vindas. Ela concorda com algumas restrições de lugares e horários não-adequados para crianças. “Mas em qualquer lugar que não tenha restrição nem motivo para não ser inclusivo para crianças, eu levo o Lenin assim mesmo. Tanto para ele se acostumar quanto para as pessoas se acostumarem com a presença de crianças.”

Como imigrante, Fernanda diz que já enfrentou situações bem difíceis, inclusive de racismo. Mas que procurou criar as suas bolhas, com pessoas com as quais ela se identifica e se sente bem, em geral, outros imigrantes.
Eu sempre aviso na escola do Lenin que eu crio meu filho sozinha, então preciso de compreensão, flexibilidade e do apoio deles. Eles não podem construir o sistema educacional pensando que todas as crianças são criadas por pais e mães, que tem o mesmo ‘modelo’ de família.
Sobre os auxílios financeiros oferecidos pelo governo australiano às mães solo, Fernanda diz que utiliza o, que cobre quase 80% do valor do horário estendido da escola, que é um serviço privado. Ela tem direito a esse benefício pelo fato de ser mãe solo e trabalhar em tempo integral.

E apesar de considerar os subsídios do governo muito importantes, pois foi através deles que ela por exemplo pôde colocar o Lenin na creche quando ele era mais novo e se dedicar a estudar e se desenvolver no trabalho, Fernanda conta que quando se divorciou e foi buscar pelos auxílios, foi aconselhada a trabalhar apenas meio período para ter acesso a mais benefícios. Isso, na visão dela, “é uma forma de diminuir as expectativas das mulheres no mercado de trabalho. Porque se você quer crescer e se desenvolver na sua área, você tem que ter mais tempo para se dedicar ao trabalho.”
(Estimular as mães a ficarem mais em casa pelos benefícios) é uma forma de diminuir as expectativas das mulheres no mercado de trabalho. Porque se você quer crescer e se desenvolver na sua área, você tem que ter mais tempo para se dedicar ao trabalho.
Perguntada sobre como o fato de ser mãe solo interfere na relação dela com o filho, Fernanda diz que interfere e sobrecarrega bastante. “É difícil o relacionamento entre apenas um adulto e uma criança na casa. Se a gente está chateado um com o outro, não tem outra pessoa para buscar apoio, dar atenção enquanto a gente se recupera. Mas ao mesmo tempo é bem transparente. Ele me vê de forma crua. Sabe das minhas fraquezas, das minhas forças, que eu cometo erros, que preciso de espaço, que preciso do meu tempo.”

Sobre os aspectos positivos da maternidade solo, Fernanda destaca sua independência e liberdade, o que, segundo ela, a fortalecem e fazem dela uma pessoa melhor e mais capaz. “E isso é muito positivo no crescimento e no desenvolvimento do Lenin.”
Fernanda
Fernanda destaca sua independência e liberdade como pontos positivos da maternidade solo, e diz que o relacionamento com o filho é muito transparente. Source: Supplied
Ao falar sobre a forma como gostaria que as mães solo e suas crianças fosse vistas e tratadas, Fernanda destaca que “é muito importante que nossas crianças sejam queridas pelas pessoas que estão em volta. É muito importante para a criança ter contato próximo com outras pessoas além da figura materna. É importante criar vínculos sólidos com as mães solo, e nem perguntar se precisam de ajuda, mas agir. Brincar um pouco com a criança para a mãe decansar. Dar atenção àquela criança. São coisas fáceis.”

Ela também acha que a sociedade ia ganhar muito sendo mais inclusiva com as crianças e com as mães solo. “Faria um bem pra todo mundo. A gente criaria pessoas melhores. Precisamos de uma comunidade inteira para criar crianças. É preciso tirar um pouco o fardo das mães, e das mães solo principalmente.”
Precisamos de uma comunidade inteira para criar crianças. É preciso tirar um pouco o fardo das mães, das mães solo principalmente.
Para outras mães solo imigrantes, Fernanda diz que elas não estão sozinhas, e que uma deve apoiar a outra, seja com um tempo de conversa, um encontro, o convívio entre as crianças. E completa o recado para quem está na mesma situação que ela: “Você consegue. Você é muito forte. Está fazendo tudo muito bem. Eu sei que não é fácil.”


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