A investigadora Carla Luís, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, com especialização na realidade timorense escreveu no jornal Público, em dezembro, que Timor vive num impasse, após o empate nas eleições legislativas. Explica:
“A Fretilin formou governo, com membros de outros partidos (incluindo o anterior número dois de Xanana Gusmão, Agio Pereira). No processo de negociações, com todos os partidos, foi perdendo apoios formais, tendo apenas o Partido Democrático (PD) acedido a uma coligação, minoritária. Na apresentação do programa do Governo ao Parlamento, a oposição unida submeteu-o a votação e chumbou-o. Meses depois, começam os rumores de moção de censura. A oposição, maioritária, já a apresentou e exige a sua discussão — se aprovada, o Governo cai.”
Entretanto, lembra Carla Luís, houve desenvolvimentos:
“O novo Governo timorense toma posse, a sua lei orgânica é promulgada e tenta passar-se uma imagem de naturalidade. Mas não há orçamento e nem sequer programa de Governo, cuja segunda versão não foi ainda submetida. Xanana Gusmão continua ausente do país (desde Julho) e, na semana passada, os líderes dos partidos da oposição divulgaram imagens de um encontro em Singapura, onde terão firmado apoio mútuo. Em Timor, descontando os rumores, permanecem incógnitos os pontos deste dissenso, que imobilizam o país. Os órgãos do Estado ficam num limbo paralisado, que ameaça durar meses. Caindo o Governo, o Presidente da República terá de decidir o que fazer: empossar um novo (composto por quem?), eleições antecipadas (que só podem ter lugar depois de Janeiro) ou procurar novo entendimento alargado?”
Comenta ainda a investigadora Carla Luís:
“Timor segue neste vazio, em que nada parece claro e em que até uma reunião tão decisiva tem lugar fora do país. A substância do desacordo, seja ela política ou de protagonismo, nunca é referida por nenhum dos intervenientes. Apesar da pacatez das eleições, e da perspectiva da normalidade democrática, houve de novo surpresas, que permanecem no ar, e cujas motivações estão ausentes de debate público.”
A conclusão do artigo de Carla Luís contem a preocupação sobre o momento atual timorense:
“Espera-se que a via institucional permaneça, nisso incluindo a democracia, e sobretudo a possibilidade de escrutínio público e transparência das decisões tomadas. Só isso permitirá aprofundar a construção democrática, fazendo com que os cidadãos confiem nas instituições que elegem, através do desempenho de um papel claro no Estado e na arquitectura democrática.”
Dois timorenses e um português estão detidos desde o dia 8 de dezembro na esquadra policial de Caicoli, em Díli. A detenção assenta na suspeita de "favorecimento pessoal" no âmbito de investigações policiais à fuga do casal de portugueses Tiago e Fong Fong Guerra, que viajou de barco para a Austrália (chegaram a Darwin em 9 de Novembro) e que, posteriormente, seguiu para Portugal, tendo chegado a Lisboa no dia 25 de Novembro.
A fuga do casal Fong Fong e Tiago Guerra de Timor para Portugal
Austrália arrastada à disputa entre Portugal e Timor-Leste
Em causa nestas detenções está o artigo 290 do Código Penal timorense que pune com penas até três anos de prisão ou multa quem "total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa que praticou um crime seja submetida a pena ou medida de segurança".
A fuga do casal causou tensão diplomática entre Timor-Leste e Portugal, com o assunto a suscitar críticas timorensesa. O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, garantiu que a embaixada em Díli “respeitou a legislação portuguesa ao atribuir passaportes ao casal”.
Tiago e Fong Fong Guerra tinham sido condenados por um colectivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli a oito anos de prisão efectiva e a uma indemnização de 859 mil dólares, por peculato, isto é, uso fraudulento de dinheiros públicos. Ambos recorreram da sentença, argumentando que esta envolve “nulidades insanáveis” baseando-se em "provas manipuladas e até proibidas."
As detenções de agora, de eventuais apoiantes da fuga dos Guerra, causam grande perplexidade em meios políticos e diplomáticos em Lisboa onde, no entanto se espera por informação mais detalhada.
Seja como for, o caso já está a ser acompanhado pelas autoridades portuguesas e é relembrado que, no cado de Tiago e Fong Fong Guerra, a representação portuguesa em Dili fez o que tinha a fazer.
Fontes da diplomacia portuguesa que acompanham os assuntos de Timor relembram a expulsão de Timor de todos os sete magistrados portugueses, em momento coincidente com a detenção de Tiago e Fong Fong Guerra, como ocasião reveladora de um atrito entre certos meios timorenses e Portugal.
Esta crónica foi ao ar no Programa Português da Rádio SBS no dia 10 de dezembro de 2017.