Ao fixarmo-nos no mapa da COVID-19 hoje na Europa, o que vemos é que está quase tudo a vermelho de alarme ou a laranja de alerta.
Encontramos apenas quatro pequenas regiões a verde: Calábria, na sola da bota italiana, o noroeste da Bulgária, e duas regiões da Croácia.
Estamos, manifestamente, perante uma segunda vaga da pandemia, com muito maior número de infectados detectados, a maior parte sem qualquer tipo de sintomas, e com muito menos casos graves - portanto, menos casos mortais.
Para isso também contribui o fato de os serviços de saúde estarem mais preparados para uma emergência que no começo do ano, a que acrescem a disponibilidade de equipamentos de proteção individual e os cuidados que cada um de nós toma.
Em Portugal, o novo disparo dos números impressiona: pela primeira vez, desde o início da pandemia. Tivemos dias consecutivos com mais de 1000 novos contagiados. Foram 1278 na quinta-feira e 1394 na sexta.
Só em 10 de Abril se tinha registado um número mais elevado de novas infecções, 1516, mas esse foi um dia excepcional porque incluiu actualizações de dias anteriores. Excetuando esse dia atípico, este é, assim, o pior período de contágios detectados desde o início da epidemia – é fato que, agora, com número extraordinariamente maior de testes, cerca de 20 mil em cada dia.
Estão agora hospitalizados em Portugal, por COVID-19, 811 doentes, 125 dos quais em unidades de cuidados intensivos. A tendência para o acréscimo observa-se desde o início de setembro, quando o número de hospitalizados rondava os 300. Agora são 800, mas ainda longe dos 1600 contabilizados no pico da epidemia em março e abril
Em todo o país há agora 47.721 pessoas obrigadas a quarentena, por terem análise que detecta vírus. Essas pessoas estão retidas em casa, sob vigilância.
Esta nova vaga da pandemia está a obrigar a novas restrições.
Três dos casos: a peregrinação ao Santuário de Fátima, as visitas ao cemitério no Dia de Finados e a celebração familiar do Natal.
Fátima: os dias 12 e 13, em maio e outubro são os principais das peregrinações anuais. Chegam a reunir mais de um milhão de peregrinos no vastíssimo terreiro do santuário. Nesta segunda-feira, em vez de um milhão de pessoas, só pode haver 6 mil e obrigadas a distância entre si, com círculos marcados no chão para cada pessoa.
Depois, em 1 e 2 de novembro, dias de Todos-os-Santos, com feriado, e de Finados, é de tradição um mar de gente nos cemitérios a levar flores e a homenagear, junto a campas e jazigos, familiares e amigos que já partiram. Desta vez, vários municípios estão a anunciar que os cemitérios ficam de portas fechadas nesses dias, para evitar a acumulação de pessoas. Tem-se como provável que a decisão venha a ser tornada geral no país, por determinação do governo.
Quanto ao Natal, época em que as famílias se reúnem: o Presidente da República já avisou que vai certamente ser necessário repensar a celebração. É preciso evitar o risco de tantas pessoas juntas.
Aliás, está demonstrado que a maior parte dos contágios em Portugal tem origem em reuniões familiares e em festas de jovens.
É esperado na próxima semana o anúncio pelo governo de medidas restritivas.
Para meditarmos sobre tudo isto, vale recuarmos na história da Humanidade, de um tempo que se estima ser há 28 séculos (no século oitavo antes de Cristo). Chega-nos, conformado pelas raízes orais, o relato épico de Homero, logo no 1º canto da Íliada, da mítica peste propagada por Apolo e que dizima os heroicos guerreiros gregos acampados junto à muralha de Tróia.
É um relato que abre o primeiro texto literário ocidental. Naquele tempo, os deuses, caprichosos, tinham o controlo da praga – a peste.
Quatro séculos depois, Sófocles pôs Édipo a derrotar, através da perspicácia e inteligência, o monstro da esfinge – mas veio a seguir a peste – e foi no Oráculo de de Delfos, ainda assunto dos deuses, que lhe foi revelado como poderia enfrentar essa desgraça.
Até que surge, por essa época, 4 a 5 séculos antes de Cristo, Hipócrates, pai da medicina ocidental, que retira a peste da aura religiosa dosa deuses e a puxa para o campo da medicina. Introduz a noção de epidemia, mal que se combate corpo a corpo, mas que se combate e cura com o saber da ciência, com os cuidados da medicina.
É aqui que estamos, a precisar de contar com o saber da ciência para enfrentarmos esta COVID outra vez em circulação viral intensa.
Os números impõem-nos a todos máxima prudência:
Reino Unido – 17 mil contágios a mais em apenas 24 horas.
Em França mais 18 mil contágio e mais 77 mortes também em 24 horas. Disparam os alarmes: mais quatro grandes cidades francesas – Lille ao norte, Lyon, Grenoble e Saint Etienne no centro-sul, juntam-se amanhã a Paris e Marselha que já estavam há uma semana em alerta máximo – dezenas de milhar de bares fechados, restaurantes e outros estabelecimentos, também encontros com fortes restrições. Um dos sérios surtos em Saint Etienne começou numa festa de aniversário – a maioridade celebrada com 150 companheiros. A festa pôs a maior parte deles em confinamento e muita gente em hospitalização. França tem mais de 7500 contagiados por COVID-19 sob hospitalização, 1400 graves, em cuidados intensivos.
Espanha – mais 12,500 contágios, mais 126 mortes em 24 horas – e a perturbação de o tribunal de Madri ter mandado levantar restrições que as autoridades de saúde tinham imposto, como necessidade para estancar a cavalgada do vírus.
Percorre-se o mapa da Europa (e do mundo) e os números continuam a ser cada vez mais preocupantes.
Itália, outra vez em alerta – mais 4500 contágios, mais 22 mortes em 24 horas.
Republica Checa, 5500 contágios.
Alemanha, também a derrapar, 4 mil contágios em 24 horas.
Polónia, o maior número de mortes diárias por COVID-19 – 76.
Enfim. há que fazer tudo para evitar maior catástrofe e as armas que temos passam em primeira linha, por sermos responsáveis e solidários. Distância física sem concessões, máscara, ventilação dos espaços fechados. Abrir regularmente a janela para arejar, tanto em casa como no lugar de trabalho.
Nada de negligências ou de dar ouvidos ao disparate de quem menospreza o vírus. Ajudar a que os serviços de saúde possam continuar a tratar quem tem outras maleitas.
Milagre, só a partir do progresso das ciências, neste caso, com as da saúde à cabeça. Temos de saber com o vírus, mas a travá-lo.
O diário belga Le Soir encheu a primeira página com uma imagem da Grand Place de Bruxelas – deserta, esplanadas fechadas, estores corridos. Legenda: "Bruxelas parou". A capital está doente e tenta evitar o pior.
É o ensinamento para todos: tratar de evitar o pior.