Foram dez meses de Rio de Janeiro, dos bailes funks, das festas no asfalto, das visitas às favelas, das subidas e descidas nos morros cariocas.
Maurizia Tinti estava no Brasil durante um dos momentos históricos do funk nacional, em 2011 quando a ‘música das favelas’ começava a descer dos morros cariocas e chegar ao asfaltos, aos bairros da Lapa e ao centro da cidade.
O ritmo, as letras, a história por trás da música do morro, levaram a jornalista italiana da pequena cidade de Faenza (58 mil habitantes) a embarcar numa viagem de estudos às raízes culturais e sociais do funk do Rio de Janeiro.
Resumo da entrevista
- O funk, estilo musical oriundo das favelas do Rio de Janeiro, é um dos maiores fenômenos culturais de massa do Brasil.
- A jornalista Maurizia Tinti pesquisou a abordou a música funk como objeto de estudo em sua dissertação de final de curso de intercâmbio pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Logo no início da sua pesquisa, Maurizia viu que a música das favelas, rotuladas na época como música de ‘apologia ao crime e ao sexo’ estava levando alguns de seus principais expoentes à prisão. O ano era 2011, quando o gênero começava a invadir as ruas da cidade — do morro ao 'asfalto'. “Porque os músicos, os funkeiros, vão para a prisão por cantar? Eu me perguntei o que é essa música, o que ela transmite, e foi assim que decidi aprender o funk, a dança, as letras que falavam abertamente de sexo e violência,” diz Maurizia, hoje baseada em Melbourne e produtora de conteúdo da .
Maurizia Tinti (terceira da esquerda para a direita) no Bar do Tonhao, Morro do Pinto, Rio de Janeiro Source: Supplied
Eles me diziam que essa é a realidade que eu vivo aqui [na minha favela] eu não estou incitando ou fazendo apologia ao crime, eu conto o que acontece no morro, o meu dia a dia
Maurizia esteve no primeiro ‘Rio Parada Funk’, em 2011, considerado o maior baile funk do mundo e um dos primeiros eventos a reconhecer a força cultural e jovem do movimento.
"O ‘Rio Parada Funk’ pode ser pensado como caso emblemático das táticas que os funkeiros adotaram para enfrentar a marginalização e criminalização que o próprio movimento vinha sofrendo desde os anos 90’," diz Maurizia.
O estudo de campo gerou duas teses de conclusão de curso de intercâmbio da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ): Sexo e sexualidade na cena musical do funk carioca contemporâneo e Dos bailes no morro à parada no centro, os dois trabalhos foram publicados em italiano na Maurizia também se aprofundou na música, na batida do funk, na dança e na sensualidade de seus movimentos. Ela aprendeu as letras de várias músicas e a dançar funk e cita o Rap da Felicidade e Tá Tarada, consideradas hinos do funk, como suas composições favoritas e entre as mais expressivas do movimento.“As pessoas falam que o brasileiro tem o ritmo musical no sangue mas não é só isso, ele tem uma atitude de se deixar levar completamente pela música, deixar o corpo se mexer sem preocupação. Eu amo dançar, mas sempre tem algum limite nos movimentos, na cabeça. Para dançar o samba, ou o funk carioca, você tem que esquecer tudo e deixar o som te levar, depois de 4 horas dançando você sai dali uma outra pessoa,” explica Maurizia, que compara a dança com um ritual expiatório onde as pessoas deixam aflorar os seus sentimentos.Outro ponto importante desse processo de entrega à música, segundo Maurizia, é o seu parceiro na dança.
Maurizia Tinti no Morro do Vidigal: dez meses no Brasil estudando o movimento funk Source: Supplied
Crianças brincam em uma pequena praça na favela Complexo do Alemão. O Complexo é uma das maiores favelas no Rio de Janeiro Source: Getty
Estudos foram publicados na revista italiana de antropologia Dada Source: Supplied
“O funk é um jogo com um parceiro, com quem você dança, apesar da sensualidade, é um relacionamento de grande respeito. O fato de eu ser uma gringa, uma italiana, que não sabia dançar como eles, isso não era um problema, era algo mais como ‘estamos aqui, estamos juntos’.”