Faz por agora 80 anos, verão europeu de 1940. Os nazis tinham ocupado Paris e assim ficou precipitado um êxodo em muita Europa. As estradas que conduzem ao sul ibérico encheram-se de desesperados que ansiavam fugir da ratoeira mortal do exército de Hitler.
Bordéus, a monumental cidade dos vinhos, a cidade onde Montaigne há 5 séculos se fechou na torre de um castelo para escrever um dos livros mais influentes de toda a literatura universal, o célebre "Ensaios".
Bordéus tornou-se nesse verão de 1940 lugar principal da esperança, de fuga ao inferno nazi, graças a um beirão de Cabanas de viriato, pai de 14 filhos, a quem tinha sido atribuído o posto de cônsul de Portugal em Bordéus: Aristides Sousa Mendes.Ao começo de uma manhã desse junho, um primeiro grupo de desesperados juntou-se à porta do consulado português. Imploravam um visto para chegarem a Lisboa e depois embarcarem para terra livre.
O busto de Aristides Sousa Mendes em Bordéus: o português que desafiou Salazar e emitiu visto aos que fugiam de Hitler. Source: Wikipedia -- Creative Commons
O cônsul Aristides Sousa Mendes sabia que a neutralidade colaborante decidida por Salazar o proibia de intervir mesmo que apenas, para salvar vidas.
Mas o cônsul Aristides, atormentado pelo desespero das pessoas que se amontoaram à porta do consulado, tomou a corajosa decisão de emitir passaporte e visto a quem o pedisse.
Durante dois dias e duas noites, o cônsul Aristides Sousa Mendes assinou os documentos que se tornaram salvo-condutos para a vida de 30 mil pessoas, das quais cerca de 10 mil com perseguida origem judaica.
Logo que esta informação chegou a Lisboa, Salazar mandou demitir o cônsul e quis anular os vistos que ele tinha assinado. Mas esses 30 mil refugiados já tinham garantido a passagem para a liberdade.
Há uma estátua junto ao Museu das Belas Artes de Bordéus que celebra este herói português.
Esta história vem para aqui chamada em enquadramento à cidade que agora é exemplo principal de uma mudança política em França. Bordéus era, há 73 anos, bastião da direita moderada francesa, com dois maires (presidentes de câmara) que também foram primeiros-ministros.
Primeiro, Chaban Delmas, maire durante 58 anos, depois, Alain Juppé. Ambos transformaram Bordéus de modo considerado exemplar. Mesmo assim, Bordéus é o palco da mais estrondosa viragem politica nas eleições municipais do último domingo.
O candidato do partido ecologista Europe Ecologie Les Verts, apoiado pelos socialistas e comunistas, impôs-se e está eleito novo maire de Bordéus. Aconteceu o mesmo triunfo ecologista em Lyon, terceira cidade de França, como em Estrasburgo, Grenoble, Nancy, Tours-ou-Besançon. Em 16 cidades maiores, a paisagem municipal francesa, ainda que continue dominada pela direita moderada nas regiões rurais, recompôs-se de um modo que, por tão repetido, corresponde a uma vaga aspiração de uma outra opção política. Parece uma combinação química entre a ecologia e o social.
Os eleitores de várias das grandes cidades decidiram confiar a gestão municipal, ou seja, a envolvente mais próxima no dia a dia, a essa coligação entre o social e a ecologia. É a aliança que garantiu a reeleição folgada de Anne Hidalgo como maire de Paris e que agora tem à prova a sua capacidade para governar em autêntico laboratório político.
Já se fala de uma candidatura social-ecologista frente à de Macron, à de Le Pen e à da direita republicana (ainda sem peronagem) nas presidenciais, daqui a 2 anos.
Macron percebeu a mensagem dos eleitores e logo no dia seguinte anunciou 15 mil milhões de euros para a transição ecológica.
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