É muito grande a zanga da União Europeia pelo pacto dos Estados Unidos com o Reino Unido e a Austrália.
Esta zanga europeia está apontada ao presidente Biden por deixar a Europa de fora neste pacto anglófono.
Esta mesma zanga tem aspetos de fúria na liderança política francesa, mas neste caso muito por motivo mercantil: a França vê escapar-se-lhe os 90 mil milhões de dólares de um mega-contrato que estava assinado para fornecer à Austrália 12 submarinos convencionais fabricados pela França. Em vez dos submarinos convencionais de produção franco-australiana a opção para a Austrália, no âmbito deste novo pacto, serão submarinos de propulsão nuclear propostos pelos americanos.
O ministro francês das relações exteriores, Jean-Yves le Drien foi ao limite do consentido na diplomacia entre aliados ao comentar que Joe Biden, embora seja uma figura simpática, tem posturas à maneira de Trump. Usou mesmo uma expressão que se traduz por traição ao afirmar que o anúncio do presidente dos EUA era “uma faca nas costas da França e da Europa”.
O jornal francês Le Monde assume em editorial que “as promessas da nova administração americana de cooperação equilibrada estão agora confrontadas com a dura realidade de um realinhamento geostratégico no qual os europeus são colocados como meros espectadores”.
Já havia mal-estar europeu por Biden ter ativado a retirada do Afeganistão sem coordenação com os europeus.
Agora, para este Pacto do Pacífico, também não houve consultas prévias entre os EUA e os aliados europeus, aliás, também não com o Canadá, outro parceiro na NATO.
Além disso, a Europa vê este Pacto como um gesto de confronto com a China e que é anunciado precisamente no mesmo dia em que a União Europeia, na apresentação anual das grandes linhas de ação política, definiu que em relação à China, a Europa visa a cooperação e não o confronto.
Portugal não fica fora da perplexidade europeia com o que um ex-ministro português da Defesa qualifica como confirmação da alteração de prioridades no mapa geostratégico do mundo.
A prioridade desloca-se do Oceano Atlântico, central nas duas grandes guerras mundiais para, agora, o Pacífico e, especificamente, o Mar da China.
É reconhecido que a Austrália ganha papel fulcral, ao ficar equipada com um mínimo de oito submarinos com a mais alta tecnologia. O sistema de propulsão nuclear vai permitir a esses submarinos permanecer submersos e despercebidos por muito mais tempo e, em caso de conflito, intervir com muito maior eficácia. Esses novos submarinos colocarão a Austrália como força de vanguarda no patrulhamento do Pacífico e do Mar da China.
Um ministro do atual governo português vê com apreensão o risco de proliferação atómica, designadamente naval, na região Indo-Pacífico, com pelo menos o Japão e a Coréia do Sul a reivindicarem também a posse de submarinos atómicos.
A posição oficial portuguesa sobre este tema classificado como “delicado e de relevância histórica” será expressa no âmbito da posição da União Europeia, sendo que há lástima por os Estados Unidos ao elegerem o Reino Unido como sócio preferencial neste Pacto com a Austrália, deixarem de fora a velha parceira que andava outra vez a ser namorada, a União Europeia.
Há unanimidade na análise de assessores político-militares e diplomáticos portugueses na análise de que este Pacto do Pacífico vai impor o desenvolvimento de uma até agora inexistente estratégia militar autónoma da União Europeia, com todo este movimento a ter várias consequências, a saber: por um lado, nova corrida armamentista geral; por outro, a instalação de um cenário de retorno à Guerra Fria, agora já não é com os EUA frente à URSS mas com os EUA frente à China.
Do lado europeu está a ser enfatizado que este acordo EUA-Reino Unido-Austrália vai muito para além dos submarinos atómicos, envolve cooperação cibernética, inteligência artificial, tecnologias quânticas e com tudo a avançar depressa.
Conclusão generalizada de habilitadas fontes portuguesas bem colocadas: nestes últimos dias, o mapa geoestratégico do mundo mudou e tem núcleo central num espaço que envolve a Austrália e a China.