A invasão da Rússia na Ucrânia: 'Não basta apenas ser forte para vencer'

Deborah

Deborah Barros Leal Farias, professora de Ciências Políticas da Universidade de New South Wales Source: Supplied

O mundo assiste em choque à invasão da Rússia na Ucrânia, ainda nos primeiros dias de uma guerra que pode se estender e causar a perda de milhares de vidas. Mas porque a agressão a um país vizinho, qual a importância e as ramificações dessa crise para o mundo? O que acontece se a Rússia for vitoriosa? Conversamos com Deborah Barros Leal Farias, professora de Ciências Políticas da Universidade de New South Wales, sobre o maior ataque a um estado europeu desde a Segunda Guerra Mundial.


Os combates se intensificam conforme as tropas russas avançam para a capital Kiev e a resistência ucraniana não mostra sinais de desistir.

Países ocidentais se uniram para isolar a Rússia, cortar sua capacidade de financiar a guerra e enviando dinheiro para armar os ucranianos. 

Mas porque a invasão? O que a Rússia tem a ganhar com isso? Quais as consequências para a Ucrânia? E o resto do mundo? 

Conversamos com Deborah Barros Leal Farias, professora de Ciências Políticas da Universidade de New South Wales, sobre a guerra, a Cortina de Ferro, e a história, que está do lado dos invadidos.  

Aqui os principais trechos da entrevista. Para ouvir o podcast completo click no botão play da imagem que abre essa reportagem.
Russian President Vladimir Putin
Russian President Vladimir Putin Source: Pool Sputnik Kremlin
Vladimir Putin justificou a invasão à Ucrânia dizendo que fez isso para proteger a população, desmilitarizar e ‘desnazificar’o país. O que ele quis dizer com isso?

Putin sempre viu esse esfacelamento da União Soviética como um erro, um grande problema ou algo que não deveria ter acontecido. A visão dele é de que a Ucrânia sempre teria sido russa ou soviética como se realmente fosse uma extensão do território russo.

O que Putin vem fazendo é dando justificativas ou desculpas. Ele não quer dar a aparência que está sendo o agressor e está causando a guerra. Então daí vem a tentativa de colocar outras narrativas que colocam a Rússia como o good guy coloca a Rússia como ‘Olha nós tentamos ajudar aqueles russos que estão na Ucrânia que querem uma certa independência’.

Essa coisa da ‘desnazificação’ é assim uma mais surreais. Sim existem movimentos neonazistas dentro da Ucrânia [como Putin sugere] mas como tem em outros países da Europa. Na Ucrânia, ainda por cima, o presidente Zelensky é de origem judaica!

Eu acho que essa ideia de dizer que está protegendo a população, desmilitarizar um dos lados do país são desculpas. O que está acontecendo é uma ação de agressão e de tentativa de controle de uma nação soberana que é a Ucrânia.
Ukraine's President Volodymyr Zelensky.
Ukraine's President Volodymyr Zelensky. Source: Sipa USA Konstantin Sazonchik/TASS/Sipa U
Putin realmente disse que a Ucrânia tem células terroristas e que ele está entrando numa missão pacificadora, inclusive para proteger os separatistas das regiões de Luhansk e Donetsk que ele declarou idependentes. Quais serão as consequências dessa invasão para ambos os países?

Olha são várias as possibilidades e todas vão de mal a pior. No caso da Ucrânia é muito mais sério. Se a Rússia perder a guerra ela perdeu a guerra. Se a Ucrânia perdeu a guerra perde-se a Ucrânia. Se eles perderem, o país deixa de existir basicamente.

Tem toda a especulação se o Putin realmente de fato anexar a área ele tiraria qualquer tipo de fronteira entre Ucrânia e Rússia e os mapas seriam refeitos. Mas o mais conveniente seria colocar alguém no poder na Ucrânia que fosse simpático ao seu governo, basicamente um vassalo, alguém sob seu absoluto controle.

No caso olhando para a Rússia a questão mais imediata são preocupações de como se sustentará a ocupação, caso ocorra, porque o problema é que começar a guerra é relativamente fácil. O difícil é você saber como ela termina.

Na Rússia você já vê o aumento dos preços. Você já começa a ver inflação. As cadeias de produção estão começando a estar cortadas porque você tem essas sanções esses boicotes que estão dificultando a chegada de produtos de fora para dentro da Rússia.

E o que contece agora é diferente de outras guerras que por exemplo aconteceram antes.

Na Segunda Guerra Mundial a Rússia estava sendo atacada. A União Soviética estava sendo atacada. Então a narrativa realmente que você tem é de defesa do território.

O governo russo agora está com um problema que esse não é o caso. Tem muitos russos que têm familiares na Ucrânia e que estão nas ruas, protestando e revoltados com a invasão.

Mas você consegue manter a invasão durante certo tempo. Mas se tiver um aumento no número de mortos tanto do lado ucraniano como russo vai ficar cada vez mais difícil ter essa propaganda oficial do governo de que os russos são as vítimas desse processo.
Tens of thousands of people gather in Tiergarten park to protest against Russia's invasion of Ukraine on 27 February, 2022 in Berlin, Germany.
Em Berlim, milhares de pessoas se reúnem no parque Tiergarten para protestar contra a invasão da Ucrânia pela Rússia [27 de fevereiro de 2022] Source: Getty / Sean Gallup/Getty Images
Existe essa pressão doméstica. A Rússia está lutando contra o tempo. O objetivo de Putin era fazer isso da maneira mais rápida possível e quanto mais se extender isso pior mais difícil mais sanções, mais dificuldades os russos vão ter. Até onde os aliados irão para ajudar a Ucrânia. Você acha que essa guerra pode expandir suas fronteiras?

Essa é a grande pergunta que eu acho que se você for na Casa Branca se você for no Kremlin se você for em qualquer um desses lugares onde as decisões são feitas esse é o grande risco porque não se sabe.

Não se sabe até que ponto o Putin estaria blefando ou o que ele realmente estaria disposto a ir até conseguir a vitória.

Se você olhar para a história não é só você ser forte. Os russos e os americanos tentaram entrar e perderam no Afeganistão, os americanos tentaram manter o controle do Vietnã, entraram no Iraque e falharam. Essas grandes invasões territoriais têm uma rejeição extremamente forte de quem está sendo invadido.
پناهندگان اوکراینی
Refugiados ucranianos recebem agasalhos quando chegam à fronteira de Medyka, na Polônia Source: AP
A crise dos refugiados – segundo a ONU, mais de 350 mil efugiados cruzaram as fronteiras da Ucrânia com países vizinhos, o que coloca uma enorme pressão nos países ocidentais.

Interessante notar que Polônia e Hungria são os dois países que têm mais recebido refugiados e ambos têm uma política atual extremamente anti-imigrante. Mas eles têm recebido esses imigrantes de braços abertos. Uma das explicações é porque diferentemente de refugiados da Síria os ucranianos são brancos e cristãos.

Outro fato que não pode ser negado: tanto os húngaros quanto os poloneses têm uma lembrança próxima de ter vivido sob a Cortina de Ferro de ter vivido sob o controle dos russos então existe uma empatia dessa vontade de se não estar sob o controle russo porque eles já estiveram sob o controle soviético.
Prime Minister Scott Morrison speaks during a vigil at St Andrews Ukrainian Church in Sydney, Sunday, February 27, 2022. (AAP Image/Brendon Thorne) NO ARCHIVING
Primeiro-ministror Scott Morrison anunciou que a Austrália vai auxiliar no armamento dos ucranianos Source: AAP/ Brendon Thorne
Como é que você vê a resposta da Austrália e do Brasil com relação a essa crise? Portugal esta acolhendo os refugiados e emitindo vistos de entrada.

A Austrália tem seguido tem sido bastante parecido com a maioria dos países no mundo. Mas mesmo colocando as sanções que eles colocaram, o comércio bilateral é muito pequeno em termos proporcionais. Nenhum dos países depende muito do outro.

No caso do Brasil está sendo curioso, o Brasil apoiou a decisão de condenar essa invasão junto ao Conselho de Segurança da ONU. Mas não houve ainda da parte do presidente Jair Bolsonaro uma posição firme e clara. O vice presidente Mourão condenou mas é preciso que o presidente brasileiro condene isso de forma mais clara, nos próximos momentos que são cruciais.  





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