“Quando a escola fechou, fiquei feliz porque alguma ação foi tomada”

Ad Astra

Melbourne’s Ad Astra Institute was promoted online with glossy photos of commercial kitchens Source: https://web.archive.org/web/20191121004324/https://chefspencil.com/culinary-schools/ad-astra-institute/

“Quando me venderam a ideia achei incrível, mas logo no primeiro dia de aula não tinha telão, ficávamos olhando no notebook do professor, a parede tinha buracos, faltando tomada,” diz Victório Borges, barista, e ex-aluno da Ad Astra, escola que foi fechada pelo governo australiano.


Ad Astra Institute foi considerada insolvente pelo Autoridade Australiana do Controle de Qualidade do Setor de Treinamento Vocacional (ASQA) e foi fechada em agosto de 2019. Representantes da ASQA, Serviço de Proteção ao Ensino (TPS) e Departamento de Assuntos Domésticos informaram a decisão em uma assembleia para quase 200 estudantes e funcionários.

Nesta série de cinco reportagens, a SBS em Português vai mostrar como uma instituição de ensino australiana conseguiu vender uma ideia – de escola inovadora e ensino de primeiro mundo – e atrair estudantes estrangeiros para salas de aula ainda em construção.

Ex-alunos e ex-funcionários da Ad Astra conversaram com a SBS em Português sobre como sobreviveram ao pesadelo de terem se envolvido com uma escola insolvente, que teve seu RTO (Registro de Provedor de Ensino) cancelado pelo governo australiano dois anos após sua abertura.
Victorio Borges
Victório Borges: “Acho bom falar sobre a trajetória dessa escola” Source: Supplied

Estudantes e funcionários foram atraídos por proposta inovadora

A escola de culinária comercial e hospitalidade Ad Astra se lançou oferecendo aos estudantes estrangeiros alguns dos cursos mais procurados na Austrália: o Diploma de Hospitalidade e Certificados III e IV de Culinária Comercial.

Os cursos podiam ser comprados em um 'combo' de dois anos por AU$1.975, economizando dinheiro, tempo e, com sorte, abrindo caminho para um bom emprego.

A promessa garantia emprego com um dos muitos "parceiros" da escola após a conclusão do curso e foi vendida como parte da .

O anúncio dizia: “Um campus moderno em Brunswick, um subúrbio que traz a história culinária mais rica de Melbourne, com 100 cozinhas no local que, quando não estão sendo usadas, funcionam como cozinhas de restaurantes para os inúmeros parceiros da Ad Astra, e onde os alunos poderão encontrar emprego após a graduação."
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Um dos anúncios da Ad Astra na internet: imagens ilustrativas de um grupo de pessoas em cozinhas modernas e industriais foram usadas para vender o conceito de escola inovadora e resturante ‘zero waste’ Source: chefspencil.com/culinary-schools/ad-astra-institute/
“Aqui eu realmente posso aprender”

O barista Victório Borges se matriculou na Ad Astra Institute, Commercial Cookery School Pty, em julho de 2018, em um curso de dois anos, que lhe daria os Certificados 3 e 4 e também o diploma.

“Achei barato. Me manter aqui, pagar as contas, renovar visto não é facil. Achei a proposta da escola razoável e tentei reunir algo barato de qualidade não muito alta e a Ad Astra me pareceu o ideal.”

Victório decidiu fazer os Certificados 3 e 4 em Commercial Cookery, e depois o Diploma, tudo em dois anos.

“Eu fazia um curso de Leadership Management em outra escola, mas achei que entrei numa fria ali também, e mudei para a Ad Astra, que me pareceu melhor, o marketing e publicidade que eles tinham era impressionante. Lembro que disse para mim mesmo, ‘Aqui realmente posso aprender’.”

“Quando me venderam a ideia achei incrível, mas logo no primeiro dia de aula não tinha material, não tinha telão, ficávamos olhando no notebook do professor, a parede tinha buracos, faltando tomada. Você via que os pontos não ligavam, entre o que te apresentaram e o que você tinha.”

De acordo com Victório os testes da escola eram simples, sobre saúde, segurança no trabalho, limpeza, “coisa bem básica, uma vez por semana.”

“Quando eu entrei as pessoas me venderam que a escola ia abrir um restaurante com desperdício zero, tudo reciclável. Um professor italiano renomado fazia parte da equipe de professores.”

Quando o renomado professor deixou a escola na primeira semana de aulas, Victório viu que algo estava seriamente errado. “Nos prometeram esse restaurante-escola, mas depois descobri que o resturante não existia, diziam que em um ano estaríamos lá… Era tudo uma farsa.”

Victório fez parte da segunda turma da escola. Em sua turma, haviam 30 alunos estrangeiros de diversas partes do mundo, vindos do Brasil, Itália, Filipinas, Macedônia, Vietnã, Japão, todos com idades entre 21 e 30 anos. “Poucas pessoas lá queriam aprender culinária, a maioria estava lá por um visto, daí eu vi o tipo de escola que era. [Estavam lá] para prolongar, comprar um tempo a mais na Austrália.”

Os alunos e ex-funcionários começaram a debandar logo nas primeiras semanas de aula, mas Victório – e muitos outros estudantes ficaram.

“Queria sair, mas como já tinha trocado de escola, resolvi ficar, mesmo sabendo que era uma má ideia,” recorda.  No final, Victório testemunhou o que disse ser um ‘filme de terror’ que culminou no fechamento da escola.
ASIC Insolvency note
Source: ASIC Insolvency note
“Quando a escola fechou, fiquei feliz porque alguma ação foi tomada”

Ele disse à SBS em Português que chegou um ponto que não esperava mais nada da escola.

“A minha expectativa era zero, estava esperando alguma coisa acontecer, agradeci porque alguma coisa foi feita, uma ação tomada, porque era uma piada para gente ser tratado daquele jeito com nosso próprio dinheiro – a gente paga e não vê nenhum retorno, mas fiquei seguro porque o governo [australiano] apoiou a gente totalmente, eles organizaram uma reunião com todos os estudantes falando para nós atendermos, falaram sobre visto, reembolso.”

Os alunos e funcionários foram convocados para uma assembléia, quase 200 pessoas compareceram. Ali representantes do Department of Home affairs, Australian Skills Quality Authority (ASQA) (que declarou a escola insolvente), Tuition Protection Service (que cancelou o RTO da escola) informaram que a escola estava insolvente e se dirigindo aos estudantes, seus vistos estavam garantidos. Nenhum representante da escola compareceu.

“Acredito que todos foram reembolsados, mas como a escola não atualizava o currículo no sistema de computadores deles, tivemos muitas provas, notas, que não foram registrados em lugar nenhum, então muita coisa que a gente pagou, estudou, parece que a gente não fez, porque não tem registro e vamos ter que estudar de novo. Acho que essa é a pior parte.”

Para contornar o problema Victório começou a tirar print das telas do computador. “Tive que tirar print screen do sistema deles para poder provar para a minha [nova] escola que eu estudei, a escola apenas sumiu e o histórico escolar inexistente, não recebi ainda. Então tive que lidar apenas com o screen shot da tela para provar que eu estudei.”
Unrecognizable people at a restaurant cooking meals
Cursos de culinária industrial e hospitalidade estão entre os mais procurados por estudantes estrangeiros na Austrália (Photo by: Getty Images/SBS) Source: Getty Images
O governo australiano reembolsou estudantes com os meses que pagaram mas que, por causa do fechamento da escola, não poderão cursar – e não pelo curso inteiro. Como elas eram pagas trimestralmente, Victório foi reembolsado por apenas dois meses que pagou e que não recebeu aula (por causa do fechamento abrupto da escola). Seu visto foi extendido, pois , e cobrirá, no caso dele, os custos para extensão de visto. 

Hoje Victório está no processo de achar uma nova escola, e apesar de se sentir tranquilo e que foi tudo superado, lamenta apenas os atrasos nos seus planos. “Imagino que todos ali foram coletivamente enganados, não só os estudantes, o que tornou o processo de vender uma ilusão muito mais fácil.”

“O conceito [da escola] tinha o apoio da agência de intercâmbio, do cara que estava vendendo, a escola parecia linda, e eu fui. Acho bom falar sobre a trajetória dessa escola porque bastante gente ficou no prejuízo com essa história toda.”

“Se tem demanda de estudantes escolas vindo para cá, com certeza vão surgir escolas meio fantasmas para pegar estudantes, a Austrália é cheia disso, eu sei, vejo várias outras escolas aparecendo.”

O Departamento de Assuntos Domésticos (DFAT) tem informações disponíveis para os alunos afetados pelo fechamento de uma escola ou provedor de ensino que pode ser acessado aqui .

 oferece informações sobre reembolso e auxilia estudantes a encontrarem uma nova escola.

Informações gerais sobre o Programa de Visto de Estudante podem ser encontradas no  que mostra opções de visto para estudar na Austrália.




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