Os australianos que se apaixonaram pela umbanda

O australiano Jackson Lewis e o brasileiro Fabio Verch, na Casa de Umbanda Pai Pedro, em Perth.

O australiano Jackson Lewis e o brasileiro Fabio Verch, na Casa de Umbanda Pai Pedro, em Perth. Source: Supplied

Conversamos com dois aussies que são fiéis umbandistas na Austrália, e um brasileiro que mantém um núcleo da religião afro-brasileira em Perth


A umbanda foi trazida à Austrália por brasileiros e tem seu espaço na comunidade, e aos poucos ganha adeptos australianos. É o caso do jardineiro aussie Jackson Lewis, de 27 anos, que se arrebatou pela religião afro-brasileira desde que ouviu os chamados pontos, os cânticos consagrados entoados pelos sacerdotes nos rituais.  

‘Acho que entrou na minha vida com a música, os pontos de umbanda realmente me pegaram, talvez o primeiro tenha sido o ponto de Iemanjá. Veio de um lugar muito profundo e me tocou de maneira muito profunda, a música realmente me pegou profundamente’
Casa de Umbanda Pai Pedro
Source: Casa de Umbanda Pai Pedro-Supplied
Arrebatamento que também pegou Mestre Lachlan, de Canberra, quando visitou o Brasil e sentiu na religião muito do amor e das referências que aprendeu com a prática da capoeira na Austrália. 

“O amor que todo mundo tinha foi a maior atração para mim. Amor fraterno, amor próprio. Era o Templo de Oxóssi, no Rio, e foi a primeira vez que tive contato com a umbanda. O que eu via era a verdadeira essência da capoeira, teve gira de caboclo naquela noite, eu me senti tão acolhido com aqueles sentimentos, recebi o meu primeiro passe.”

Mas essa história começa um pouco antes. 

Com o crescimento da imigração brasileira na Austrália nas últimas décadas, as coisas típicas do Brasil acabam tendo seu espaço por aqui. Do pão de queijo à capoeira, a distância entre os continentes diminui a cada novo imigrante que se instala em Terra Australis. Uma das tradições do Brasil que já existem na Austrália é a religião umbandista.

Um desses terreiros é a Casa de Umbanda Pai Pedro, em Perth, organizada pelo casal Fabio Gomes Verch e Juliana Proença. Fabio nos conta que a umbanda está presente desde cedo em sua vida, em Porto Alegre. 

"Minha relação com a umbanda começa desde muito cedo. A primeira lembrança que tenho de qualquer coisa relacionada a umbanda ou esse tipo de manifestação religiosa eu devia ter uns 3 ou 4 anos, eu tomando um passe, fazendo algum tipo de trabalho de saúde. Eu tive um problema grave quando era criança, lembro que fui a um terreiro. Nunca me atraiu a Igreja Católica ou nenhum outro tipo de religião. Desde a infância tive contato com aquelas amigas “macumbeiras”, que vão visitar a nossa mãe, e aquilo sempre me fascinou, de ir no terreiro, era um terreirinho pequeno. Até que, entre idas e vindas, sempre frequentei terreiro, meus amigos iam pra balada e eu ia pra gira, até o dia que conheci a casa onde a gente fez todo o desenvolvimento (eu e minha esposa). Isso foi em 2005, quando a gente começou nossa caminhada dentro da umbanda. De 2005 a 2007 a gente fez a preparação para sacerdote, e no final de 2010, a gente trabalhou nesse terreiro em Canoas. Sempre gostei, sempre amei a umbanda e é uma coisa minha mesmo, não tem nenhuma ligação familiar. Então acredito que seja por amor mesmo que sou ligado a esta religião."

Como tantos brasileiros, Fabio e Juliana imigraram para a Austrália em busca de um futuro melhor. Profissional de informática, ele chegou como estudante e logo se estabeleceu a ponto de poder voltar a praticar a umbanda do outro lado do mundo. 

"Aí chegando na Austrália em 2011, obviamente não encontrei nenhum terreiro por aqui. E como eu já tinha formação sacerdotal no Brasil, fiquei naquele período de adaptação por mais ou menos um ano, quando o estudante chega aqui, até conseguir emprego, casa, até conseguir nosso emprego até ter condições de alugar uma casa, a gente não praticou a umbanda. Em 2012, a gente voltou ao Brasil por fins burocráticos, e na bagagem a gente trouxe os elementos e as imagens do nosso congazinho (altar), e demos início ao que podemos chamar de terreiro. Tínhamos nosso congazinho em casa, nossa fé firmada. Os amigos chegavam, perguntavam o que era aquilo ali, a gente explicava o que é a umbanda, e com o decorrer do tempo a gente vai se envolvendo com a comunidade, e a gente começou a fazer os atendimentos conforme necessário. Quando a minha esposa trabalhava, eu ficava de ajudante. Quando eu trabalhava, minha esposa ficava de ajudante, e assim a gente ia atendendo amigos. Coisas simples, duas, três pessoas, no máximo.

Nos mudamos para outra casa, começamos a crescer aí comecei a anunciar no grupo Brasileiros em Perth (no Facebook) que a gente estava iniciando um centro de umbanda aqui, e a gente começou a atender a comunidade, e virou uma bola de neve. Até que a gente mudou pra essa casa onde estamos hoje, onde tínhamos condições de montar um terreiro fisicamente falando, numa shed, como é no Brasil. Como se sabe, terreiro não é uma igreja, a maioria dos terreiros é feito no fundo do quintal, e a gente importou essa cultura pra cá. Do lado da minha casa tem uma shed onde construímos um terreiro, e sou eu o dirigente do terreiro, juntamente com minha esposa.
Entre idas e vindas desde 2014, que a gente abriu oficialmente o terreiro em Perth, a gente sempre desenvolveu cursos de formação, de desenvolvimento mediúnico, desmistificando a umbanda, tirando aquele preconceito que a maioria das pessoas tem, que não sabe o que é nossa religião. A gente praticamente exclusivamente o bem, a gente não faz amarração.
"A gente vem trabalhando pra tirar essa má impressão das pessoas sobre a religião. E hoje somos em 12 médiums trabalhando na casa, a gente atende basicamente a comunidade brasileira. Enfim, pessoas de vários outros países também já vieram, mas 99% é sobre a comunidade brasileira. (...)"

A surpresa de encontrar um centro de umbanda em Perth

A sensação de acolhimento da umbanda marcaram profundamente o jardineiro australiano Jackson Lewis, de 27 anos. Ele conheceu alguns rituais da religião na Holanda anos atrás, e a música tocada nas cerimônias o marcou profundamente, como falamos no começo da reportagem. Em uma pesquisa na internet, ele descobriu a Casa de Umbanda Pai Pedro, mantida por Fábio e sua mulher, Juliana Proença.

"Daí quando cheguei a Perth, eu estava pesquisando online, aprendi algumas coisas sobre candomblé, umbanda (...), e aí vi um tópico no Facebook sobre umbanda em Perth. Eu não estava esperando em ir a um terreiro em Perth de forma alguma, e isso foi pouco antes do COVID, mandei mensagem ao Fabio dizendo que queria ir, ele disse que eu era bem-vindo nas giras"

"Entrei na porta, fui recebido pelo Fabio e pela Juliana, e me senti muito em casa (...). Eu estava fixado nos trabalhos, foi uma noite muito poderosa. E depois da gira, eu me senti leve e limpo, eu não queria sair de lá. Ao fim do da gira, eu fiquei, ajudei a limpar, eu me senti tão bem, tão bem-vindo, não só pela energia do lugar, mas das pessoas também. E foi assim que a umbanda entrou na minha vida, e estive lá praticamente toda semana, faz seis meses.

Jackson conta que o ritual religioso foi um encontro com seu interior, como uma mão entrando numa luva.
Não foi exatamente uma coisa externa que me atraiu (...), foi mais algo de dentro, eu estava tentando me encaixar em algum lugar de fora. Era algo novo que eu estava atraído. A música foi o que me atraiu num primeiro momento, a energia por trás da música. Eu conhecia essa energia muito bem de alguma forma. Não foi uma coisa como ‘nossa, legal, vou atrás’, foi mais algo como ‘eu realmente preciso encontrar isso’. E foi como se o meu coração encontrasse um lugar que pudesse se expressar.
"Todos os guias, espíritos e entidades com quem trabalho me atraíram a partir do meu interior. E quando cheguei lá, o que me atraiu a seguir frequentando, foi a beleza do espaço, esse templo, um lugar para rezar, de devoção e trabalho. Eu sempre me senti atraído por este tipo de lugar, o terreiro é diferente, uma grande força de verdade, iluminação, compaixão e trabalho. Era muito  assim que eu gostaria de viver minha vida. Sim, assim que entrei lá, era o lugar que eu me encaixava. E tenho tido muita devoção desde então. Agora que me mudei de Perth, as sementes estão plantadas aqui dentro, e ainda é uma parte enorme de mim. Tem ressonância com minha vida. Foi como uma mão dentro da luva.” Fabio ressalta o esforço de Jackson para abraçar a umbanda. 

'Jackson é um caso muito estranho, porque é um brasileiro que nasceu no país errado. As aulas que eu dou aqui de desenvolvimento mediúnico, da história da umbanda, eu falo em português e ele entende perfeitamente. Ele se esforça pra entender a nossa língua. Na nossa casa aqui ele veio parar porque ele conhece a religião e veio pra cá, se apaixonou pela religião, começou a frequentar e um belo dia falou que tinha que dar esse passo adiante, e pediu autorização pra entrar. E obviamente foi prontamente aceito e desde então ele vem se dedicando, aprendendo, se esforçando, se entregando de corpo e alma para a religião. Já consegue se desenvolver mediunicamente, está em processo ainda, recebendo as entidades, identificando as energias, sabendo o que é um caboclo, um preto velho."
E é muito legal ver isso, porque é uma pessoa que não é da nossa cultura, a gente desde criança sabe o que é uma incorporação, o que é macumba, o que é um terreiro. Ele não, caiu de para-quédas, se entregou de corpo e alma e é um apaixonado pela religião, é muito lindo de se ver. Image
Da capoeira para a umbanda

Conversamos também com Mestre Lachlan, professor em Canberra. Australiano, quando adolescente praticava aulas de capoeira em Bondi, Sydney, com na cidade. E da capoeira para a umbanda foi um passo. 
Mestre Lachlan, de Canberra: da capoeira para a umbanda.
Mestre Lachlan, de Canberra: da capoeira para a umbanda. Source: Supplied
'Eu comecei a fazer capoeira quando eu tinha 18 anos, e pouco depois tive contato com Mestre Jerônimo, em Bondi, que colocava os alunos com muito contato com a cultura brasileira, incluindo-se as práticas espirituais, como umbanda, candomblé e catimbó. Eu comecei a me identificar com o calor, a fazer pesquisa sobre os orixás, a começar a estudar as oferendas, as características dos orixás. Tudo quanto a isso. Aí em 2005 fui ao Brasil pela primeira vez depois de anos praticando capoeira, fui a uma casa de candomblé na Bahia, em Salvador. Foi incrível, amei, me sentia elevado depois de cada vez que ia a um terreiro. Mas não me sentia em casa. E aí, em 2007, de volta ao Brasil, fui a um terreiro de umbanda, me senti em casa. Muito acolhido."

Preconceito contra a umbanda é falta de informação, dizem adeptos

A experiência da umbanda pode parecer exótica a um australiano. Para Jackson, o preconceito contra a religião, tanto na Austrália quanto no Brasil, é um mal entendido pela falta de informação adequada. 

“Acho que o preconceito que algumas pessoas têm é mais um mal entendido. Ignorância não é a palavra correta, é mais não ter sido educado, acho que é daí que vem o preconceito. Sinto que quando a pessoa é educada sobre essa tradição de um jeito simples que ela possa entender, a maior parte do preconceito que poderia estar ali vai embora, para a maioria das pessoas."
A maior parte do preconceito é sobre a mediunidade e não sobre a umbanda, até porque a maioria não conhece a umbanda. Então quando eu explico a incorporação em termos simples, o que o médium faz no terreiro, normalmente as pessoas são abertas, e acaba sendo bonito.
Lachlan conta que já sofreu preconceito por conta de sua fé, mas que a cultura australiana não dá muito espaço a isso. 

"Uma coisa boa sobre australianos é que as pessoas realmente não perguntam qual é sua fé, qual a sua religião? Essa é a cultura da Austrália. Quando as pessoas vêm as guias que uso, algumas pessoas dizem “uau, que legal”. Mas já passei muito preconceito também. Não vá por esse caminho, não é bom. Faz parte. Mas todo mundo e todas as coisas surgem na nossa vida por uma razão, e temos que ser agradecidos a isso também. Se as pessoas entram na nossa vida, algumas vezes é uma benção, outras vezes é para nos testar e nos fazer mais forte. Passei por isso, perdi amigos, mas algumas vezes as pessoas voltam também."

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