A escrita de José Saramago, Nobel da literatura em 1998, já deu origem a seis longas-metragens em cinema.
O brasileiro Fernando Meirelles, realizador de filmes muito premiados como "Cidade de Deus", "Jardineiro Fiel" e "Dois Papas", adaptou, em 2008, o "Ensaio sobre a Cegueira" (Blindness), protagonizado por Julianne Moore, Gael Garcia Bernal e Mark Ruffalo, o filme cujo enredo assenta numa epidemia de cegueira. Há um motorista que fica cego, depois, em volta dele, toda a gente vai perdendo a visão.
Nesse mesmo ano 2008, o holandês George Sluizer adaptou "A Jangada de Pedra", com a Península Ibérica, Portugal e Espanha, a soltar-se da Europa, como se fosse uma jangada.
No ano seguinte, o uruguaio Juan Pablo Etcheverry adaptou um conto infantil de Saramago, "A Maior Flor do Mundo" (The Biggest Flower).
Em 2010, o português António Ferreira adaptou "Embargo", a história de um vendedor de comes e bebes numa roulotte, em tempo de embargo petrolífero, descobre uma máquina revolucionária para fazer sapatos à medida.
Em 2014, foi o canadiano Dennis Villeneuve a adaptar "O Homem Duplicado".
Agora, neste outubro de 2020, é a vez de um cineasta que cultiva o reto e branco e a literatura, tem feito cinema com muita escrita de Fernando Pessoa, agora junta Pessoa e Saramago no "Ano da Morte de Ricardo Reis".
Foco do livro de Saramago sobre o heterónimo de Pessoa, o ano 1936. As ligações históricas são salientadas, marcando todas as referências ao crescendo dos fascismos europeus visto dum país, Portugal, em que o salazarismo, como um fascismo cinzentão, já estava bem implantado.
O eixo central da narrativa é a história da crise existencial de Ricardo Reis (heterónimo de Pessoa magnificamente representado pelo ator brasileiro Chico Diaz), da sua relação com o fantasma do seu criador e heterónimo Fernando Pessoa (ou ao contrário, porque é como se Pessoa é que fosse uma invenção de Reis), da sua relação com duas mulheres opostas, a Lídia (interpretada pela portuguesa Catarina Wallenstein) e a Marcenda (interpretada pela espanhola Victoria Guerra).
Está a ser reconhecido pela crítica, neste filme de João Botelho, um sentido de espectáculo de inequívoco bom gosto.
Os tempos atuais são de crise pela pandemia, na estreia houve 4 lugares vagos entre cada par de espectadores, mas o cinema português está fértil em criatividade, aliás, recém premiada no clássico Festival de Veneza e no de San Sebastian - nos dois casos, filmes de mulheres realizadoras, Ana Rocha de Sousa e Catarina Vasconcelos.