Jorge Sampaio é, sem dúvida, referência de elevação ética e moral na vida política portuguesa pela dimensão humana, humanista e humanitária. Qualidades superiores que o atual presidente enquadrou no discurso de homenagem fúnebre:
"Provou que se pode nascer privilegiado e converter a vida na batalha pelos não privilegiados, sempre lutando mas com serenidade, aquela serenidade que une a força das convicções ao respeito por cada um e por todos os demais, de bem com todos e todos de bem com ele. A corajosa serenidade de um grande senhor da nossa democracia e grande senhor da pátria comum", disse o atual Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa.
Jorge Sampaio nasceu de uma família da élite, o pai formado em Medicina nos Estados Unidos, a mãe professora universitária, e como notou o atual presidente Marcelo, Sampaio estava aconchegado para ter uma vida acomodada, confortável, mas escolheu sempre bater-se, muitas vezes até com riscos, pelos mais desprotegidos.
Horas antes de ter perdido a consciência e entrado em urgência no hospital para os 15 dias de luta final pela vida, Sampaio escreveu um último apelo, uma vez mais ao acolhimento: para que Portugal acolhesse o maior número de refugiados afegãos.
Toda a vida de Jorge Sampaio é uma história de dedicação aos outros.
O atual presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, lembrou o determinante empenho do presidente Sampaio na luta pela liberdade e dignidade em Timor.
A intervenção do presidente Sampaio junto do então presidente Clinton, numa longa madrugada, foi decisiva para que na tarde seguinte, num sábado de setembro de 99, o Conselho de Segurança da ONU reunisse extraordinariamente e, sob impulso dos EUA, decidisse o envio imediato de uma força militar de paz da ONU para Timor-Leste. Agora, no funeral de Jorge Sampaio, os dois timorenses Nobel da Paz quiseram prestar-lhe tributo, presencialmente, o antigo Bispo de Dili, Carlos Ximenes Belo, agora a viver em Portugal.
Visita de Estado do ex-presidente da República e Senhora de Jorge Sampaio a Timor-Leste, de 10 a 15 de fevereiro de 2000. Source: Supplied/Franciso Sena Santos
Para além do Bispo Ximenes Belo, também José Ramos Horta, à distância fez o elogio de Jorge Sampaio.
Jorge Sampaio tinha sido determinante a colocar Timor na agenda internacional, tal como António Guterres, Durão Barroso e Jaime Gama.
A liderança do Partido Socialista, a presidência da Câmara Municipal de Lisboa, na primeira metade da década de 90 - e com a primeira coligação de esquerda -, e a Presidência da República, entre 1996 e 2006, foram os pontos altos da carreira política de Jorge Sampaio, agora falecido aos 81 anos.
Mas o percurso cívico e político de Sampaio vai muito, muito para além desses três marcos, e começa muito antes, nos anos 60, ainda em pleno período de ditadura do chamado Estado Novo de Salazar. Sampaio foi líder da importante revolta estudantil de Lisboa em 1962, que marcou uma geração, e ainda antes da queda da ditadura notabilizou-se como advogado na defesa de presos políticos nos tribunais plenários.
No dia 25 de Abril de 1974 esteve na linha da frente à porta da cadeia principal de Caxias a exigir – e a conseguir – a libertação imediata dos presos políticos.
Nos 10 anos de mandato como presidente de Portugal, Sampaio também liderou a negociação para o regresso tranquilo de Macau à administração da China.
Antes, como presidente da Câmara de Lisboa impulsionou uma mudança principal: virou a cidade para o rio Tejo, processo culminado na Expo 98.
Nos últimos anos, já no final da sua vida, teve um ativo papel na luta global contra a tuberculose ou no esforço para permitir que estudantes sírios fugidos da guerra pudessem completar os seus estudos.
Como Presidente da República foi um símbolo de ética, de transparência e de prioridade social.
O atual presidente Marcelo resume a ligação entre os portugueses e Jorge Sampaio numa frase: De bem com todos, todos de bem com ele
Jorge Sampaio assumiu-se sempre homem de esquerda, um socialista democrático, mas com grande abertura a todas as sensibilidades. É significativo o grande elogio que lhe faz agora Cavaco Silva, a principal figura da direita política em Portugal, e sucessor de Sampaio como presidente da república.
Portugal no tempo democrático após 1974 vai no quinto presidente eleito e todos reeleitos: primeiro Ramalho Eanes, depois Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e agora Marcel Rebelo de Sousa.
Soares morreu há 4 anos, Sampaio morreu agora.
São figuras cimeiras que passam diretamente para a história de Portugal.