Foi uma reunião de trabalho em inglês na qual ele não entendeu nada que levou Carlos Ferri a querer se aventurar na Austrália por seis meses, para aprender a língua que não dominava.
Dez anos depois, Carlos é dono da Zapala Corp, uma holding de seis empresas com presença em 17 países e que agora começa a crescer também no Brasil.
Em outubro, ele foi laureado com o Sydney Young Entrepreneur Award, o prêmio de Jovem Empreendedor de Sydney de 2019.
A SBS em Português conversou com Carlos Ferri, que falou de sua história, de seus projetos e de como enfrentou os desafios que todo intercambista tem ao chegar na Austrália.
Nascido em Ribeirão Preto, ele tinha uma carreira crescente em administração de empresas, atuando, primeiro, na área farmacêutica, e depois na de eletrônicos.
Mas ele viu que alguma coisa importante faltava.
"Eu nunca tinha feito uma viagem internacional até então. Quando percebi que o inglês iria começar a fazer falta, comecei a me coçar um pouquinho. Vou tentar aprender, fiz algumas aulas, mas viajava muito, não conseguia acompanhar, sempre aquele problema do Brasil de não usar muito o inglês. Aconteceu uma situação, fui a uma reunião, e de 12 pessoas dessa reunião, eu era o único que não falava inglês. Aquilo ali me marcou e tive que tomar uma decisão, que foi vir para a Austrália para aprender inglês por seis meses. Falei para meu chefe que precisava aprender, ou quem me mandaria embora seria ele".
Largar a carreira promissora para aprender inglês teve seus percalços e gerou dúvidas no começo. No primeiro trabalho, contou com a ajuda de outro brasileiro.
"Meu primeiro emprego muito gente dá risada, foi lavando carro. Foi um amigo peruano, que eu entendia o espanhol dele, disse que precisava de alguém pra lavar carro. Cheguei lá e desci aproximadamente 16 pontos antes do local que deveria ter descido do ônibus. Não sabia perguntar para o motorista, não falava uma palavra de inglês. Fui andando e pensando, será que tomei a decisão certa? Não acredito que fiz isso. Andando e reclamando. Quando cheguei no local, achei que teria um monte de brasileiro, e a pessoa falou em inglês o que eu tinha que fazer, e falei em português 'meu Deus, não entendi nada'. Graças a Deus tinha um brasileiro lá que falou 'fica tranquilo, que eu te explico'. Foi assim que começou toda a minha história".
Depois de um tempo trabalhando em um pub fazendo coquetéis, ele passou a trabalhar com caminhão carregando caixas e fazendo entregas.
E foi aí que a vivência brasileira transformou aquilo em oportunidade.
"O que de fato me fez querer abrir a empresa foi que eu realmente queria parar de trabalhar à noite, porque estudava de manhã e alguns dias no final de semana eu trabalha de noite. Comecei a cansar bastante e falei com um amigo, que falou 'olha, rapaz, eu tenho aqui uma empresa que você pode trabalhar com caminhão, mas é pra carregar caixa". E desde quando eu tenho medo de carregar caixa? Como diziam, eu era um executivo no Brasil e agora iria carregar caixa... pra mim, aquilo fez muito diferença. E comecei a trabalhar com aquela empresa e tava muito feliz, e aí comecei a perceber que a forma que tratavam os clientes era uma forma... um pouco ali.... interessante. Por que esse pessoal trata assim aquele cliente? No Brasil, a gente tem aquela expectativa que a forma com que você trata o cliente é espetacular, ele se sente em casa. Aí eu tive a oportunidade de criar uma empresa para poder prestar serviço exatamente para empresas de transporte. Então foi naquele momento que tive a ideia de criar uma empresa com a qualidade que o brasileiro sabe que tem que ser feito que eu tive certeza de que seria sucesso. Hoje a Zapala se tornou uma holding com seis empresas. E uma coisa que temos muito a agradecer é o fato de que todas as nossas empresas estão indo super bem, mas mais que isso, hoje atendem as maiores empresas de logística de Austrália".
O ramo de logística foi a porta de entrada para um crescimento impressionante para outros ramos, até transformar a Zapala em uma holding, sob a qual está a Zapala Go, que desenvolve softwares para transporte e armazenagem, a Zapala People, em software de RH e contratações, e outras.
O sucesso permite investir também no Brasil, onde comprou uma empresa em sua cidade natal, Ribeirão Preto, São Paulo. Mas essa história começou com um recado sutil.
"Uma das coisas que sempre fiz durante muitos anos foi sempre dizer a empresários australianos que valia a pena investir no Brasil. Aí lembro uma vez que eu estava conversando com empresários em público, e aí veio esse empresário e disse assim 'Carlos, e como é que vão seus negócios no Brasil?" . Poxa... eu não tenho negócios no Brasil. Isso foi três anos atrás. Eu entendi o recado numa simples pergunta. Quando você prega alguma coisa que você não faz, acaba ficando um pouco vazio".
Com toda a experiência de migrante, Carlos Ferri recomenda aos brasileiros que hoje lutam para aprender inglês e viver na Austrália que tenham objetivos claros, e que se comparem sempre consigo mesmo, não com os outros.
"O recado para quem está na Austrália ou pensando em independente da sua situação atual: tenha um objetivo. Número dois: você não se compara com a pessoa que já está aqui há dez anos. Se você quer se comparar, se compare com você mesmo de ontem. Se você hoje for um pouquinho melhor que a pessoa que você foi ontem, é nesse foco que você tem que colocar seus olhos. Pare de ficar se comparando com quanto a pessoa ganha, onde ela trabalha, qual visto que ela está. Não traga isso para tua experiência de intecâmbio. É desnecessário faser isso, Você não é essa pessoa, e sim a pessoa que você é. E foque em comparar-se com você mesmo. O objetivo é melhorar a cada dia. O terceiro e mais importante, uma vez que você sabe qual é o seu objetivo e você está comparando-se com você mesmo, se desenvolvendo como pessoa, vem a terceira pergunta, que é o que de fato eu quero. Se o meu foco era aprender inglês e agora aprendi, qual meu próximo passo? Por que você quer ficar no país? Depois que você faz essa pergunta, qual é o problema com o trabalho que você está fazendo? Algumas pessoas me falam que nao querem trabalhar com subemprego. Então traduza a palavra "subemprego" para mim. Não existe tradução, "job" é "job". Não existe "subjob", essa conotação ruim de quem trabalha num café é menos importante de quem trabalha num banco, ou dirigindo um caminhão, ou advogado ou político. Essa é uma das coisas mais maravilhosas da Austrália, que é a igualdade. A pessoa que trabalha numa obra, a pessoa que dirige um caminhão e a pessoa que dirige o maior banco da Austrália podem estar sentados no mesmo coffee shop tomando um café, ou fazendo uma reunião. Não importa. Então acho que a mentalidade de você trabalhar num lugar assim ou assado tem que se perder".