Marcelo é o atual presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, eleito vai para 5 anos com 52% dos votos. Soares é o já falecido ex-presidente Mário Soares, reeleito em 1991 com 70% dos votos. Soares é um histórico socialista, foi um presidente popularíssimo, cativou para a reeleição muitos eleitores da direita, sobretudo do centro-direita representado pelo PSD. Com Marcelo, agora, o percurso é semelhante, embora com origem oposta.
Marcelo vem do PSD, partido de que chegou a ser líder, e impôs-se como presidente hiperafetivo e tem participado na coabitação com o governo socialista muito virado para a esquerda em modo que lhe promete grande parte do voto PS, sobretudo o de eleitores com perfil de centro-esquerda.
Foi assim que surgiu a discussão do medir de apoios entre Soares em 1991 e Marcelo em 2021. Pensava-se que a campanha iria ser um passeio para Marcelo.
O atual presidente, sim, deve ter a reeleição garantida.
Mas a concorrência é renhida e já não parece provável que possa atingir a fasquia dos 70%.
Há novas realidades, a seguir com atenção.
Já se sabia que André Ventura, líder do partido Chega, posicionado na direita mais extrema do espectro politico português conta com a eleição presidencial para mobilizar o eleitorado ultraconservador e nacionalista que até aqui não tinha representação política. As pesquisas de opinião sugerem que Ventura pode chegar aos 10% dos votos.
Também se presume que Ventura vai ser muito agreste nos debates com Marcelo, que ele coloca como o candidato do “está tudo bem”.
Considerando o estilo muito cordial e consensual de Marcelo, imagina-se que seria complexo para ele responder às provocações de Ventura.
Porém, agora surgem duas candidatas, duas mulheres à esquerda que serão certamente acutilantes a desmontar o discurso da extrema-direita.
Essas candidatas são a eurodeputada Marisa Matias, militante considerada do Bloco de Esquerda, apresenta candidatura nesta quarta-feira e, novidade mais novidade, a socialista e ex-eurodeputada Ana Gomes, que apresenta candidatura amanhã.
Ana Gomes, com 66 anos, formada em direito, tem 40 anos entre a política e a diplomacia.
É alguém que os líderes da luta pela independência de Timor conhecem bem. Foi uma aliada crucial.
Entre 1999 e 2003, Ana Gomes foi chefe de missão e embaixadora de Portugal em Jacarta, tendo acompanhado o processo de independência de Timor-Leste e de restabelecimento das relações diplomáticas luso-indonésias, tendo-se notabilizado pela determinação que colocou na defesa do referendo popular em Timor.
Ana Gomes é reconhecida em Portugal como uma mulher de causas. Timor é uma referência. O combate à corrupção, tanto em Portugal como no exterior é outra e mobilizou muito da ação que desenvoveu no Parlamento Europeu.
O modo como sustenta a luta contra a corrupção, sobretudo por esse mérito reconhecido, faz pensar que Ana Gomes vai arrecadar intenções de voto de praticamente todo o espectro partidário e de todas as faixas etárias, condições classistas ou representações culturais, visto que o combate à corrupção é um tema transversal e que vem progressivamente somando adeptos.
Ana Gomes, assim, afasta-se radicalmente da ideologia de Ventura, mas retira-lhe o exclusivo do discurso vigoroso anti-corrupção.
Ana Gomes é uma passionaria anti-corrupção, com tal agressividade no discurso que dificilmente atrairá o eleitorado centrista do PS, mas vai mobilizar muito voto da parte do PS mais à esquerda.
Parece evidente que há na campanha duas mulheres, Ana Gomes e Marisa Matias, a disputar um eleitorado comum à esquerda. O facto de serem mulheres tem o efeito de mobilização do eleitorado feminino.
É de antever uma campanha muito viva e a eleição presidencial de janeiro deixa de ser um passeio para o atual presidente MRS, no entanto, sempre favorito.