A morte de José Mário Branco, o escultor de palavras

A par de Zeca Afonso, Branco foi o mais influente compositor musical e interprete de canções de intervenção em Portugal.

A par de Zeca Afonso, Branco foi o mais influente compositor musical e interprete de canções de intervenção em Portugal. Source: Rita Carmo/Wikipedia (creative commons)

Cantor, compositor, arranjador e produtor, marcou sucessivas gerações de portugueses com a sua imensa capacidade de elevar a música aos patamares mais altos da arte


O súbito AVC que levou a vida de José Mário Branco aos 77 anos – mais de 50, quase 60 a marcar a cultura portuguesa, levou um génio da criação em português. A par de Zeca Afonso o mais influente compositor musical e interprete de canções de intervenção. A par de Amália Rodrigues, Zeca Afonso e Carlos do Carmo a figura musical mais marcante no último século em Portugal. José Mário Branco: uns revêm-se nas palavras, outros na força interpretativa, outros na expressão dramática, muitos em tudo 

No percurso de José Mário Branco, está a música de intervenção, o jazz, o fado. Cantor, compositor, arranjador, produtor, José Mário Branco marcou sucessivas gerações com a sua imensa capacidade de elevar a música aos patamares mais altos da arte. 

Foi em 1967 que José Mário Branco se estreou na música pública com o single “Ronda do Soldadinho” que levantou ondas. Em França desde 1963 por força da perseguição da PIDE, o cantautor editou este tema que entrou em Portugal clandestinamente.  

Por entre a doçura das cordas e o candor da voz numa canção de embalar, estava uma mensagem clara contra a guerra no Ultramar: “Menino cresceu / Mas não colheu / De semear / Os senhores da terra / O mandam p’rà guerra / Morrer ou matar”. 

Corria o ano de 1971 quando José Mário Branco, ainda exilado em França, ainda com Portugal em ditadura, editou o seu primeiro álbum de longa duração, tendo como nome “Mudam-se os tempos, Mudam-se as vontades”.  

É num misto de argúcia e erudição queJosé Mário Branco  transformou os sonetos de Luís de Camões, publicados a quatro séculos de distância, num manifesto contra o Estado Novo sem nunca precisar de invocá-lo pelo nome. “E se todo o mundo é composto de mudança/ troquemos-lhe as voltas, que ainda o dia é uma criança” —  um convite ao engajamento político. 

Em 1974 e 74, já em Portugal, no rescaldo febril da Revolução, José Mário Branco liderou o GAC - Grupo de Acção Cultural(GAC), coletivo artístico ao qual também pertenceram vultos da música de intervenção como Fausto Bordalo Dias.  

Foi o tempo de a Cantiga é uma Arma. 

E é justamente de intervenção de que este tema se trata, assumindo-se sem pejo como um veículo estét  entre fábricas e cooperativas. 

José Mário Branco mostrou sempre ética exemplar. Ética e espírito solidário. 

Ser Solidário é um álbum marcante nos anos 80. 

Já no século XXI, Zé Mário compôs uma musica, Inquietação,  que é um espelho dele.  

Para além de compositor e intérprete, foi arranjador e produtor de novos artistas, de Camané a Kátia Guerreiro, e apoiou quase todos os principais músicos de intervenção. Por exemplo, Grândola, a canção de Zeca Afonso que se tornou hino da revolução democrática em Portugal, teve direção musical e arranjos de Zé Mario Branco. 



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